
Que delícia é este "Little Miss Sunshine"! São poucas as obras que conseguem unir tão bem a comédia inteligente com a mais aconchegante das ternuras e, nesse sentido, o filme triunfa por completo. Este road-movie atípico narra as desventuras de um clã disfuncional ou simplesmente excêntrico: o pai é um anti-losers convicto e guru da superação pessoal que tenta desesperadamente promover uma estúpida teoria dos 9 passos; o filho dedica-se à leitura compulsiva de Nietzsche e está já há alguns meses a cumprir um estranho voto de silêncio; o tio é um homossexual deprimido que falhou na sua tentativa de suicídio; o avô caracteriza-se por ser um hippie decadente e cocainómano com a língua bastante afiada; a mãe é o elemento mais equilibrado, que tenta por tudo ligar as pontas soltas entre os vários elos da família; e, finalmente, no meio de tanta peculiaridade está a benjamim Olive, uma simpática devoradora de concursos de beleza infantil que consegue mobilizar todos os adultos em direcção à famosa competição "Little Miss Sunshine", certame em que a menina faz questão de participar e que se realiza a largos quilómetros do lar. É aqui que entra a outra personagem do filme: a extravagante carrinha amarela, que é decididamente tão temperamental quanto os elementos humanos que nela se fazem transportar. É este problemático veículo que irá levar os Hoover ao seu objectivo, mesmo que tenham de passar por uma série de atribulações e algumas tragédias existenciais.
"Little Miss Sunshine" faz a apologia da importância da família, que neste caso se une em torno de um objectivo não muito estimulante, mas válido para afirmar o amor que existe entre todos (embora este sentimento se encontre algo abafado). Ao princípio, o filme pode dar a sensação de que vai manter as suas personagens apenas no patamar da caricatura, mas isto é só uma ilusão. Com o desenrolar da narrativa vai-se assistindo ao aprofundar da dimensão humana de cada um daqueles seres, sendo este um daqueles tópicos raras vezes tido em conta nas comédias. Curioso é também o facto de, durante a viagem, ser perceptível a contemplação às paisagens do interior dos EUA: apoiando-se numa fotografia de pasmar (e numa banda-sonora envolvente), o filme faz o retrato de uma América apelativa e capta um certo way of life, permitindo ainda que o espectador sinta que está dentro da carrinha com aquelas pessoas. No fundo, celebra-se a movimentação e a exploração de novos rumos como sendo condição sine qua non para o agregar de um clã à beira do colapso.
Quando o filme se começa a aproximar do fim, a acidez irrompe para parodiar o ridículo que habita nos concursos de beleza infantil. Os planos finais são de uma doçura extrema e ricos também em gargalhadas ruidosas. Porque as grandes comédias querem-se assim: capazes de nos comover enquanto estamos perdidos no riso...
Classificação: 4/5