sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Will Ferrell: Viciado em Sport-Movies?

- "Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby" (2006): Piloto de corridas NASCAR


- "Blades Of Glory" (2007): Patinador Artístico


- "Semi-Pro" (2008): Jogador de Basketball

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

No Country For Old Men - Este País Não é Para Velhos (2007)

Uma História de Violência

Começo por confessar que não sou dos maiores fãs da obra dos manos Coen. Admiro-lhes a capacidade de adaptação aos diversos géneros cinematográficos, a tentativa de expressar originalidade naquilo que filmam e de nunca se esquecerem de introduzir as suas características notas satíricas mesmo em cenas dramaticamente complexas. O grande senão é que, com bases tão interessantes, aquilo que os manos edificam acaba por deixar quase sempre uma sensação de que se poderia ter ido mais longe, quer em desenvolvimento humano, quer em aprofundamento das temáticas narrativas. No Country For Old Men é decididamente um bom filme, mas não o consideraria o "filme do ano" tal como a Academia o fez.

O que a dupla Coen nos dá é um conto negro que evoca a mitologia dos westerns clássicos, remetendo para as noções de violência e bem vs mal do passado que se continuam a propagar no presente. O filme é particularmente eficiente na imersão no lado negro da condição humana, onde a perversidade, a ganância e, mais uma vez, a violência se passeiam naturalmente lado a lado. Por seu turno, a moral (que é representada pela personagem de Tommy Lee Jones) está revestida pela desilusão de quem já assistiu a muito e que já não possui grande esperança no Homem. Todos estes contrastes são filmados sob uma atmosfera hiper-tensa, sordidamente tétrica e capaz de colocar o nosso dispositivo dos nervos em constante estado de alarme.

A história, baseada no romance homónimo de Cormac McCarthy, desenrola-se no Texas, nos idos anos 80: enquanto está a caçar, Llewelyn Moss encontra um mala cheia de dinheiro (2 milhões de dólares) e uma carrinha com um carregamento de droga, que resultou de uma operação de tráfico que correu para o torto. Os intervenientes estão dizimados e Moss não perde tempo a tomar posse da mala, que é um petisco bem apetecível. Mal sabe ele é que atrás de si irá Anton Chigurh, um assassino implacável e sádico equipado com uma botija de ar comprimido e crente convicto na aleatoriedade do "cara ou coroa". Nesta batalha entre a presa e o predador, encontra-se a justiça na pele do Xerife Ed Tom Bell , cada vez mais desencantado com a natureza humana. Afinal, num acto que parecia ter todos os ingredientes para ser linear, Moss acaba por desencadear uma onda de violência extrema.

Sem nunca esquecer o humor negro que os caracteriza, os Coen revelam-se dinâmicos na construção de um thriller intenso onde o factor humano é o mais importante. Tommy Lee Jones e Javier Bardem são sem dúvida as peças mais intrigantes deste jogo. No caso do segundo, ele compõe um sinistro assassino com uma ética muito própria e avesso a sentimentalismos. O seu psicótico Anton insinua-se de forma serena, escondendo as suas verdadeiras intenções e aparentando até uma certa elegância obscena. Bardem tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira e o Óscar de secundário foi muito merecido. O filme conta ainda com a vitalidade do feminino, muito bem representada por Kelly Macdonald: ela é a pureza e a consciência num mundo de homens insanos pela violência, onde a misoginia é um dado adquirido.

Não sendo uma obra-prima absoluta, No Country For Old Men resulta num filme incendiário que vem uma vez mais comprovar o imenso talento da dupla no campo da realização e na sua arte específica de storytelling. Destaque final para a fotografia, que capta a solidão desencantada das paisagens do interior dos EUA.


Classificação: 4/5

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Juno (2007)

A Idade Da Inocência

Juno, uma comédia com pitadas de drama e autenticada com o selo independente, viu a sorte cruzar-se com a sua trajectória comercial. O filme, escrito pela ex-stripper Diablo Cody e realizado por Jason Reitman (o mesmo de "Obrigado Por Fumar"), tem recebido elogios um pouco por toda a parte e foi agraciado com 4 nomeações para os Óscares (venceu na categoria de Melhor Argumento Original). Este é decididamente o culto indie do ano para muita gente, um pouco à imagem de "Little Miss Sunshine".

Confesso que o acho simpático, com um grande coração e com uma imensa vontade de ser original. Este último factor acaba por funcionar, no entanto, como uma espécie de maldição. É verdade que os diálogos são deliciosos e bem espirituosos (tal como a personalidade da personagem principal), mas quer-me parecer também que reflectem a vontade excessiva do argumento em colocar as suas personagens a debitar pérolas por tudo e por nada. Infelizmente, essa condição retira alguma naturalidade e espontaneidade ao projecto. Juno é desde logo uma fita que não receia a sua faceta offbeat e que muito menos tem problemas em abordar um assunto complicado: o da gravidez na adolescência. De facto, esta história de uma teenager que engravida do seu namorado geek e que decide que a adopção é a melhor solução está bem delineada, consegue ser cómica e comovente e, acima de tudo, tem o cuidado de proporcionar um retrato fiel dos jovens que encaram a sexualidade de uma perspectiva não escatológica. Os grandes problemas, na minha opinião, têm a ver com a inverosimilhança dramática de algumas situações e com o ostracizar de uma personagem que eu diria fundamental: a de Bleeker, o namorado de Juno e pai do bebé. Acontece que a sua importância na história é minimal, aparecendo quase exclusivamente para personificar uma alma nerd alheia a tudo.

Fora isto, chega-se à raíz vital da obra: Ellen Page. Ela eleva Juno para lá das nuvens, com uma interpretação sentida e artisticamente adulta. Para além de encher todo o ecrã com um dinamismo que rouba a atenção do espectador (não se tornando difícil perceber por que razão foi nomeada ao Óscar), a jovem actriz consegue ainda defender com unhas e dentes o papel de uma rapariga que se vê confrontada com uma situação de difícil gestão, ao mesmo tempo em que é quase obrigada a abandonar o seu estatuto de adolescente e a acelerar o processo de crescimento. Outro triunfo é o facto de Juno estar fortemente musicado, com o recurso a uma banda-sonora eminentemente indie e bem-disposta, que se encontra em perfeita sintonia com o espírito do próprio filme.

Não sendo magnífica, esta recente realização de Reitman revela-se humilde o suficiente para merecer a nossa atenção. No final, percebemos que estivemos na presença de um filme coming of age com uma essência muito específica, doce e honesta. E isso já é uma boa razão para nos levar uma sala de cinema o mais rápido possível...


Classificação: 3/5

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A (Re)Descobrir...


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A Passagem Da Noite (2004): Mariana, uma jovem de 17 anos, é violada por um toxicodependente. Mais tarde, ao descobrir que engravidou, decide esconder esse facto de toda a gente, esforçando-se ao máximo por disfarçar a natural transformação do seu corpo. Durante esses meses de pura angústia, a rapariga acaba por fazer a passagem da adolescência para a maturidade. "A Passagem Da Noite", um belo exemplo daquilo de bom que se faz em Portugal em termos cinematográficos, é um drama sóbrio que se desprende dos esquematismos advogados pelas produções televisivas. O filme contém um universo afectivo muito bem construído e evita o terreno da vitimização da personagem principal (Mariana é a determinação em estado puro, é alguém que rejeita categoricamente o sentimento de pena, nunca se entregando ao facilitismo do "choradinho"). Faço justiça a Leonor Seixas, confessando desde já que não conheço o trabalho dela na ficção nacional televisiva. Contudo, a sua interpretação é de uma honestidade tal (e de uma luminosidade também) que torna-se impossível não lhe fazer a devida vénia. De Luís Filipe Rocha, o realizador de "Adeus Pai".

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Fim-de Semana...


- "Almost Famous - Quase Famosos" (2000), Hoje, no Hollywood, às 19h00.

- " The Opposite Of Sex - O Oposto Do Sexo" (1998), Sábado, no AXN, às 18h50.

- "Mighty Aphrodite - Poderosa Afrodite" (1995), Domingo, na RTP1, às 00h45.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Caché - Nada a Esconder (2005)

Família, Mentiras e Vídeo

Que Michael Haneke é um dos mais geniais autores no activo não há dúvidas disso. Que Caché divide as opiniões de forma incisiva também parece-me que não. Vencedor do prémio de realização em Cannes, o filme tem sido alvo de diversas leituras, já que a sua sinuosa construção e o final aparentemente em aberto levam a essa possibilidade. De facto, a filmografia do autor é conhecida por permitir uma pluralidade de interpretações; a dimensão eminentemente pessoal dos seus projectos traduz-se em obras que só são perceptíveis na sua totalidade apenas por quem se der ao esforço de as desconstruir. Mais: a crueldade da câmera do realizador, inquietante e serena na mesma medida, tornam-no uma das faces mais originais do cinema europeu contemporâneo.

Caché é um conto intrigante sobre um casal (Georges e Anne), que subitamente vê a sua existência perturbada pela recepção de vídeos cujas imagens captam o seu quotidiano. Em simultâneo, começam também a surgir desenhos macabros de difícil interpretação. Sentindo-se um joguete nas mãos do anónimo que os observa, o casal começa aos poucos a se desintegrar, deixando vir ao de cima as fragilidades que estão na base da relação. Aliados a esta tragédia pessoal estão os traumas de infância de George, que o voltam a assombrar e que poderão muito bem estar relacionados com toda esta situação enigmática...

O filme é exímio na sua dedicada descrição dos efeitos da culpa e da repressão, enquanto se cerca dos fantasmas que habitam as feridas interiores de uma França com fortes políticas de segregação racial e ávida de redimir o mal de outrora. Aos poucos, Haneke parte do retrato de uma intimidade familiar com intensos problemas de comunicação para traçar um cenário oblíquo da identidade de um país que vive amargurado com as acções do seu passado recente. Assim, chegando à raíz do argumento, Caché mostra as suas verdadeiras guelras, revelando o seu forte subtexto político (que entra em conflito directo com o drama vivido pelas personagens). Haneke tem uma habilidade característica para mexer os cordelinhos das expectativas do espectador (basta reportarmo-nos a Funny Games, que continua a ser o exemplo máximo desta capacidade) e, nessa medida, Caché não foge à regra. O jogo mental começa logo ao início, quando afinal o que estamos a ver não é um acontecimento actual mas sim as imagens de uma gravação. O poder ilusório das imagens, que se alastra na sociedade actual, é algo que perpassa o filme e com uma nota bastante curiosa: há alturas em que não sabemos se determinados cenários estão a ser observados pelos olhos de alguma das personagens ou se são fruto de mais uma gravação de vídeo.

Mais importante do que descobrir a identidade do remetente é analisar o impacto que essa "presença" provocadora despoleta num seio familiar, onde a comunicação parece ser um elemento em desuso e onde a psique de cada um está sempre em análise. O realizador orquestra todas as peças no seu reconhecido modo de "perfeccionista dos pormenores", sem descurar o seu registo clínico e austero (onde a mais brutal e perturbante das imagens é sempre captada com a mais natural das serenidades). Não seria de esperar outro método por parte de Haneke, ele que cada vez mais se posiciona como uma das figuras máximas da arte do voyeurismo perverso, onde as convulsões afectivas atingem píncaros inolvidáveis...

Este não é de todo um filme fácil; tem uma atmosfera densa, complexa e algo derivativa. Além disso, pede muito esforço no coser da lógica da narrativa e parece que não dá resposta às inúmeras questões que levanta. Mas isso é puro engano: basta esperar até ao final para que tudo bata certo. Por isso aqui fica o conselho: olhos bem abertos mesmo até ao fim!


Classificação: 4/5

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Retratos De Amor...



- On Golden Pond - A Casa Do Lago (1981): Ethel e Norman, um casal de meia-idade com um amor de longa data e em repouso na sua casa de Verão, recebe a visita da filha Chelsea (que vem equipada com o seu companheiro e com o filho dele). Esta chegada vai trazer ao de cima os conflitos que sempre estiveram presentes na relação entre pai e filha. "A Casa Do Lago" traça paralelos com a própria relação conturbada entre Jane Fonda e Henry Fonda (pai e filha no filme e na vida real), que conseguiram resolver as suas diferenças ao contracenarem nesta película vencedora de 3 Óscares;

- The Bridges Of Madison County - As Pontes De Madison County (1995): Francesca, uma dona de casa do Iowa, trava conhecimento com um fotógrafo da National Geographic, durante uns dias de ausência do marido e dos filhos. O amor brota e Francesca terá de decidir se parte com o grande amor da sua vida ou se se resigna a uma vida pacata e familiar, vazia de todas as emoções que a completam. Filme absolutamente fulcral para compreender o cinema romântico dos anos 90, "As Pontes de Madison County" relata um amor adulto e fugaz, mas com profundidade suficiente para marcar toda uma vida. Esta continua a ser uma das melhores realizações de Clint Eastwood, que conta aqui com um desempenho larger than life de Meryl Streep (mais um, portanto...);

- Lady Chatterley (2006): Filme baseado num romance de D.H. Lawrence. Lady Constance leva uma existência insípida, monótona, cuidando do marido paralisado na Grande Guerra. Ela começa a apresentar sinais de depressão e a solução para o mal parece estar nos simples passeios pelos bosques que circundam o castelo onde o casal vive. Durante as suas passeatas, Constance cruza-se com o guarda-caça e rapidamente surge um elo romântico que despertará todos os instintos adormecidos da jovem mulher. Uma recente obra do cinema francês, que é ainda uma bela pérola sobre o desejo - com uma excelente interpretação de Marina Hands.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A (Re)Descobrir...


- Romper Stomper - Os Revoltados (1992): Este poderoso filme australiano de baixo orçamento foi um dos primeiros trabalhos de representação do agora famoso Russell Crowe. A história tem lugar em Melbourne, cidade que acolhe um elevado número de imigrantes asiáticos. Estes são vítimas das políticas de xenofobia e racismo praticadas pelos habitantes australianos, que se sentem injustiçados com as suas precárias condições de vida e no direito de defender o seu "território". A acção centra-se num grupo de skinheads, liderado por Hando (a personagem de Crowe), que luta desenfreadamente pela limpeza étnica do bairro, envolvendo-se em inúmeros conflitos com os imigrantes vietnamitas. Nesse ritual de violência entra Gabe, uma rapariga com um percurso pessoal traumático que se envolve com Hando e por quem Davey, um dos amigos de Hando, se apaixona. "Romper Stomper" é um projecto arriscado que vai beber influências a "Laranja Mecânica" e que está tematicamente muito próximo de "American History X - América Proibida". Pode até perder na comparação com o filme protagonizado por Edward Norton, mas não deixa de ser uma excelente obra.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Estreias Da Próxima 5ª Feira...



- "Juno", de Jason Reitman. Com Ellen Page, Michael Cera e Jennifer Garner;

- "Michael Clayton - Uma Questão de Consciência", de Tony Gilroy. Com George Clooney, Tilda Swinton e Tom Wilkinson.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

There Will Be Blood - Haverá Sangue (2007)

A Febre Do "Ouro" Negro

Paul Thomas Anderson regressa à sua boa caminhada, depois de em 2002 nos ter dado um medíocre Punch Drunk Love, com Adam Sandler e Emily Watson. Aqui, ele não faz a coisa por pouco e o que nos oferece é, nada mais nada menos, do que um belíssimo épico de grande escala, reminiscente dos filmes dourados da era clássica norte-americana. There Will Be Blood apresenta um galvanizante Daniel Day-Lewis insano de complexidade e ambiguidade, com uma interpretação realmente magistral (que devora todas as cenas em que entra) e tão negra como o petróleo que a sua personagem ousa em extrair. É na presença do actor que reside a maior força do filme, é ele quem desembrulha o portfolio de emoções, que lança as linhas narrativas e é também ele que carrega com o peso de toda a obra. Day-Lewis é um perfeccionista nato, toda a sua carreira tem sido gerida de acordo com essa virtude irredutível. Mais uma vez, o intérprete dissolve-se no seu papel, criando uma figura colossal que já se está a tornar uma referência icónica para o cinema contemporâneo.

Em inícios do século XX, somos apresentados a Daniel Plainview, um ganancioso e famoso prospector de petróleo que saliva pelo imenso lucro que essa fonte proporciona. Equipado com o seu pessoal e com o filho menor (H.W. Plainview), Daniel começa a criar uma base de riqueza devido às terras que explora incansavelmente. Quando lhe chega aos ouvidos que existe uma região agreste com um subsolo rico em petróleo, o magnata muda-se de malas e bagagens para lá. A região, conhecida por Little Boston, assemelha-se a um deserto, mas está repleta de gente cuja vida se resume ao trabalho e à dedicação extrema à fé. Um dos seus habitantes é Eli Sunday, um fanático evangélico e principal mentor e profeta da Igreja da Terceira Revelação, que é basicamente a ordem religiosa que impera naquela terra. O jovem entretém-se a purificar a alma dos fiéis na suas tresloucadas sessões espirituais e todos os seus esforços convergem no sentido de angariar fundos para manter a sua missão. Entre Plainview e Sunday estabelece-se uma relação de contornos negros, em que não dá para perceber muito bem quem é o santo e quem é o pecador. À medida que o tempo vai passando, a outrora afável maneira de ser do prospector transfigura-se numa faceta obscura, que começa a executar de forma brutal um conjunto de acções completamente condenáveis.

O filme começa de forma bastante insólita, apresentando um largo segmento de imagens poderosas, mas estéreis de diálogos. Logo aí dá para perceber que estamos perante uma obra disposta a corromper com todos os códigos do cinema actual, pretendendo trilhar imaculadamente o terreno da originalidade - mesmo que invoque com discrição a aura selecta de Kubrick. A prova desse esforço criativo é ainda a forma espantosa como o argumento mergulha, sem receios, no lado mais negro da condição humana: durante quase 3 horas de fita presencia-se a obsessão, manipulação, mentira, avareza e maldade, tudo filmado por P. T. Anderson com a maior das naturalidades. Com uma abordagem dessa natureza, não é de estranhar a facilidade com que o espectador abraça a progressiva alteração da personalidade de Daniel; afinal, ele é alguém tão condenável quanto intrigante, fazendo com que os sentimentos dúbios entrem em disputa durante todo o filme. Mesmo quando ele afirma descaradamente que odeia todos os homens torna-se impossível ignorá-lo... Depois, é importante não esquecer a questão da fé (um dos temas fulcrais), hábil a marcar presença o tempo todo e que está revestida de uma curiosa distorção, que afecta todas as personagens. A fé funciona aqui como uma espécie de refúgio puritano, ou lei implacável, onde se pode esconder todo o tipo de perversão. Noutro nível de leitura, o realizador parece estar apostado em afirmar que as bases para a construção da América tiveram a sua origem em conceitos moralmente dignos, mas que entretanto se desvirtuaram por completo, dando então prioridade à impureza do Homem ganancioso.

Verdadeiro clássico instantâneo, em "There Will Be Blood" realça-se ainda a sólida direcção de actores, os seus majestosos valores de produção, a fotografia cristalina e principalmente a banda-sonora que fica cravada na mente, tal é a intensidade dramática que ecoa (e que acompanha eficazmente a narrativa). Temos de agradecer a Jonny Greenwood este feito impressionante... Para além desta panóplia espantosa, conta-se ainda com um par de cenas verdadeiramente emblemáticas, que vão perdurar na nossa memória cinéfila. Um triunfo absoluto, com um elenco igualmente brilhante!


Classificação: 5/5

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Irréversible - Irreversível (2002)

Entre o Inferno e o Céu

Gaspar Noé levou o seu filme a Cannes e as reacções resumiram-se a ondas de contestação. Na verdade, sem contar com "The Brown Bunny" (de Vincent Gallo), não me recordo de um outro filme na história recente que tenha sido alvo de tanta pancadaria por parte da crítica presente nesse certame. O realizador de "Irréversible" também não ajudou à festa, já que fez questão de promover a película através da atribuição de rótulos pouco convencionais. Mas não é por aí que vem mal ao Mundo. O problema é que muito se falou dos conteúdos arriscados (incluindo a infame cena da violação da personagem de Monica Bellucci, que dura praticamente 10 minutos) e do pseudo-lirismo da obra, mas o que surgiu à tona foi uma inanidade com mais olhos que barriga.

O argumento foca a atenção em três personagens: a bela Alex, Marcus (o actual companheiro de Alex) e Pierre (amigo do casal e ex-namorado dela). Quando a namorada sofre um brutal ataque num túnel tétrico, Marcus entra numa espiral de fúria e planeia uma vingança igualmente violenta. Tendo a seu lado Pierre, Marcus procura desenfreadamente o responsável pela tragédia, sendo que a sua busca o conduz a um bar chamado "Réctum" e à identidade do agressor, que responde pelo nome Tenia. Subtil, não é? Na minha opinião, Noé não faz mais do que uma tentativa desesperada de encarnar uma aura de enfant terrible, apoiando-se num filme-choque que está inacreditavelmente desprovido de alma. O realizador optou por contar a história de trás para a frente, recorrendo a uma câmera ultra-virtuosa que parece decidida a deixar o espectador à beira do vómito e a uma banda-sonora irritante. Nada de muito novo no campo da opção formal, uma vez que "Memento" já fez isto e com resultados bem mais satisfatórios. Aliás, no caso de "Irréversible", esta solução acaba por ser simplista até à raíz: começa-se o filme no completo caos e só no final encontra-se a paz. Por outras palavras: para alcançarmos o Céu temos de passar pelo tormento do Inferno.

Os temas do filme são muito interessantes e poderiam ter desencadeado um resultado estimulante, no entanto quer-me parecer que a importância da narrativa foi posta de parte e que a suposta transgressão da estrutura formal é que assumiu o controlo do projecto. Depois, a questão do choque e da provocação tornam-se um dado quase pueril, uma vez que Noé esquece-se que tem uma história para contar e que a substância ainda é uma mais valia nos filmes. Aliada a estas falhas está a abordagem simplista das personagens: para além de raras vezes acedermos à sua complexidade emocional, rapidamente são tipificadas como que para nos facilitar o trabalho de pensar. Assim sendo, Marcus representa o vingador sem tréguas, Pierre é a consciência que a tudo assiste e Alex é a serenidade que suporta todo o mal do Mundo. É, no entanto, em Monica Bellucci que se encontra o pólo triunfante de "Irréversible". As cenas em que a actriz entra eclipsam todas as outras e confesso que raras vezes se vê uma intérprete disposta a ir a estes limites de representação, entregando-se física e mentalmente a um papel decidido a sugar-lhe toda a vida. O que ela consegue acarretar particularmente no segmento da violação é de uma bravura que não merece passar despercebida. A ela faço-lhe todas as vénias...

Outro destaque positivo diz respeito à sinceridade das cenas de intimidade entre Alex e Marcus (personagem desempenhada por Vincent Cassell, companheiro de Bellucci também na vida real). Noé nunca escondeu a influência de Kubrick e faz como que uma homenagem ao mestre, no que diz respeito à captação do espaço conjugal (tal como em "Eyes Wide Shut"). De lamentar é que, fora estes pontos atractivos, "Irréversible" se qualifique como um exercício estilístico inconsequente, com grandes ares de pretensão e alheio à dimensão humana das suas personagens.


Classificação: 1/5

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

TOP 5 Filmes Para o Dia de São Valentim

1) Casablanca, de Michael Curtiz


2) Antes De Amanhecer, de Richard Linklater


3) Moulin Rouge, de Baz Luhrmann


4) Eduardo Mãos de Tesoura, de Tim Burton


5) Um Amor Inevitável, de Rob Reiner

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

In The Valley Of Elah - No Vale De Elah (2007)

A Verdade Escondida

Os recentes filmes sobre a estratégia militar norte-americana têm-se pautado por uma inteligência fora de série, conseguindo escapar aos terrenos banais do mero panfleto e ilustrando a dimensão humana nas suas mais variadas facetas. O novo filme do realizador e argumentista Paul Haggis (que se está a revelar uma força imparável no seio da indústria cinematográfica de Hollywood) é um bom exemplo da tentativa de reinvenção do cinema político que singrou na década de 70. Este drama intimista relata a inquietação de um casal que desconhece o paradeiro do filho, um jovem soldado chamado Mike Deerfield, que esteve em missão no Iraque e que entretanto regressou aos EUA. Após a junta militar de Mike lhe atribuir o estatuto de desertor, o seu pai, um militar na reforma, intervém e parte em busca dele, contando apenas com a ajuda de umas enigmáticas imagens de telemóvel captadas em terreno iraquiano e com o apoio de uma detective da polícia, Emily Sanders.

Em vez de ir para o local de guerra filmar os traumas in loco, Haggis concentra a sua atenção nas consequências que tal contexto cria nos seus intervenientes directos e, acima de tudo, indirectos. Acontece que "In the Valley Of Elah" destaca-se de outros filmes desta índole pelo facto de estar mais preocupado em captar as tragédias pessoais que ocorrem fora da esfera de acção previsível, ou seja, o cenário iraquiano. Na verdade, a lente do realizador incide sobre o casal Deerfield e Emily Sanders, os elementos que a passo e passo vão descobrindo os fantasmas de uma guerra que está longe de atingir o ponto do cachimbo da paz . O filme é muito perspicaz na forma como vai extravasando universos: começa-se a gerar na intimidade do núcleo familiar, rapidamente passa para o meio militar, depois alcança o painel de guerra no Iraque e finalmente retrata a actual mentalidade reinante nos EUA, aliando a toda esta metamorfose a questão da desumanização/humanização e a passagem biblíca que contempla David e Golias (que é um dos seus temas centrais).

"In the Valley Of Elah" é corajoso e sóbrio, não receando demonstrar o caos que se tornou a política de intervenção externa de George Bush e, nesse sentido, é uma obra que faz um resumo do trabalho do ainda Presidente. Uma das forças fundamentais para o sucesso do filme está no talento dos actores, excelentes nos tempos dramáticos e formando um todo bastante coeso que renega o choradinho. Temos então Tommy Lee Jones, magnífico na pele de ex-militar e pai rígido que ultrapassa tudo e todos de cabeça erguida, mas deixando escapar a mágoa, a culpa e a exaltação interior que o incomodam; Susan Sarandon fabulosa como sempre, com os seus olhos expressivos a revelar um mundo de dor que não lhe é novo; e ainda o poder vital de Charlize Theron, no papel da oposição a um sistema dominante e na representação ideal das mães dos novos filhos da América.

Claramente um objecto anti-guerra, não se pode dizer no entanto que "In The Valley Of Elah" seja anti-americano. Longe disso. Repare-se então no poder simbólico da bandeira americana ao contrário: o que está ali é a expressão do amor a um país que enfrenta um forte conflito de ideais e que precisa urgentemente de "ajuda". Confesso que não encontro visão mais política e redentora do que esta.


Classificação: 4/5

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Into The Wild - O Lado Selvagem (2007)

Uma História Simples

Sean Penn tem uma curta carreira como realizador, mas alcançou agora a excelência! Se este "Into The Wild" não for o filme do ano, vai de certeza andar lá perto. Penn adapta a história verídica de Christopher McCandless, um jovem de 22 anos recém-licenciado e com um futuro promissor que abandona a sua confortável posição social e se lança numa árdua odisseia em direcção à região inóspita do Alasca. McCandless é um adolescente que vive amargurado com a fantochada encenada pelo núcleo familiar e apenas a fuga desse panorama destrutivo parece ser a solução para acalmar a dor, levando a que o rapaz sinta necessidade de entrar em contacto com a sua verdadeira natureza. Desprovido de grandes bens materiais, Christopher assume uma nova identidade (Alexander Supertramp) e atira-se para a estrada, seguindo o seu caminho pelas vias mais selvagens e recônditas e cruzando-se com diversas pessoas que irão ficar afectadas pela sua personalidade peculiar. Durante esse processo penoso, ele testa a sua perseverança e os limites da sobrevivência humana em condições extremas.

"Into The Wild" é uma ode à sede de demanda existencial, em que a convulsão interior de um jovem está sempre em mutação. O que está em causa é a busca da verdadeira identidade de um indivíduo, a procura da espiritualidade própria de quem põe em causa o establishment e organiza a sua vida em função dos objectivos que pretende atingir, sejam eles socialmente bem vistos ou não. Christopher é alguém que se aliena de todas as coordenadas (geográficas, psicológicas, emocionais,...) e que vê numa trajectória solitária a condição fundamental para se auto-descobrir e testar. Lado a lado com "Into The Wild" encontram-se as memórias do livro de Jack Kerouac ("Pela Estrada Fora") e do filme de David Lynch, "Uma História Simples": acontece que todas estas narrativas apresentam protagonistas que conseguem conviver bem com a solidão e que encetam viagens de grande escala com um objectivo específico, que acabam por se traduzir numa evolução interior e num processo de purificação. Ainda: as três histórias denunciam que tão importante quanto o destino a que se quer chegar é a necessidade de estar sempre em movimento.

Sean Penn realiza um filme naturalmente longo, que nos faz sentir na pele o peso daquela jornada, mas que no entanto nunca se torna enfadonho. As paisagens selvagens, que constituem a tarefa difícil da realização, são captadas de uma forma muito bonita e percebe-se que Penn quis transmitir a imagem de alguma serenidade. Por fim, umas breves referências: no plano dos actores, especial destaque para Emile Hirsch no papel principal, que se revela um intérprete de grande profundidade, com capacidade para ir aos pináculos da representação e criar uma personagem com uma dimensão quase mitológica; de referir ainda que o filme não esquece a riqueza dos actores secundários, sendo que neste sentido o foco vai para a interpretação de Hal Holbrook, que é sem dúvida das melhores que já vi nos últimos anos, um prodígio de naturalismo e sensibilidade; a banda-sonora, da responsabilidade de Eddie Vedder, é um marco fabuloso neste campo, retratando com eficácia os estados de alma de Christopher; e o final, que é para lá de angustiante, resulta num conjunto de planos de rara beleza. Um filme sublime a todos os níveis.


Classificação: 5/5

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Dissecando alguns Títulos...

- Half Nelson: É uma designação aplicada no universo do wrestling. Consiste numa técnica que visa imobilizar o adversário, prendendo-lhe os braços e fazendo pressão no seu pescoço;


- A Clockwork Orange: Anthony Burgess, o autor do livro que esteve na base do filme, disse que a expressão "Laranja Mecânica" aplica-se ao ser humano, possuidor de livre arbítrio, que escolhe praticar somente o bem ou o mal - esse indivíduo tem a aparência de um corpo colorido e sumarento, mas na verdade é apenas um mecanismo manipulado por Deus ou pelo Diabo;


- In The Valley Of Elah: Trata-se de uma passagem biblíca e refere-se ao local onde David e Golias combateram.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

The Darjeeling Limited (2007)

União De Sangue

Começo por confessar que simpatizo com a obra de Wes Anderson, embora ainda me falte ver um filme do realizador que me arrebate por completo. Admiro, sobretudo, a sua capacidade de inspeccionar os dramas íntimos dos elos familiares sem nunca abdicar do seu característico tom de comédia melodramática, passando assim por "locais" tão contrastantes como a melancolia, o sarcasmo, o humor seco e a angústia existencial. "The Darjeeling Limited", não sendo genial, resulta num filme honesto e bonito, com sinceras intenções de retratar um trio de irmãos em busca de tranquilidade espiritual e aconchego maternal, após a morte do pai há um ano. Francis, Peter e Jack constituem o clã Whitman, que deposita na viagem à Índia uma esperança de reinventar o amor fraterno que os une, mas que estranhamente os separou nos últimos tempos. As suas personalidades são diferentes, no entanto guiam-se pela mesma estrada da complicação: Jack, o mais novo, é o rei nas indecisões amorosas e um esforçado escritor; Peter possui um lado influenciável e está a tentar lidar com o facto de ir ser pai brevemente; Francis é o controlador nato, com a face desfeita e um dente lixado após um recente acidente. Para essa odisseia do espírito eles vão apoiar-se na ajuda de um comboio apinhado (o Darjeeling Limited do título), que incansavelmente atravessa o país e que poderá ser a solução para os conduzir ao seu objectivo, ou seja, a paz merecida e o reencontro desejado com a mãe, que se tornou uma espécie de freira eremita. Durante o percurso mais que extenuante há tempo para contactar com as gentes, com a cultura e para pôr as conversas em dia, se bem que nem todas sejam amigáveis. A grande reviravolta dá-se quando os três são expulsos do transporte e se vêem perante a dificuldade de continuar a viagem, ao mesmo tempo que se deparam com uma situação trágica que lhes servirá de terapia de choque, fazendo com que ponham ainda mais em causa os fios da sua parca estrutura familiar. Wes Anderson revela-se hábil na ilustração dos bons sentimentos que inundam as suas personagens e na captação de uma Índia cromática e caótica, que no entanto não deixa de ser atractiva e que não se resume apenas a postal turístico. Mesmo que falte mais desenvolvimento humano, "The Darjeeling Limited" cumpre aquilo a que se propõe, resultando numa obra sedutora, dinâmica e cativante.

Antes do filme, é exibida a curta-metragem "Hotel Chevalier", em que a personagem de Jason Schwartzman se reencontra com a ex-namorada (Natalie Portman) num luxuoso quarto de hotel. Sexy, divertida e com uma curiosa banda-sonora.


Classificação: 3/5

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

eXistenZ (1999)

Jogos De Poder

Um dos últimos grandes títulos da filmografia de David Cronenberg. É certo que "eXistenZ" tende a polarizar opiniões, mas isso também já é dado adquirido em quase todos os filmes do cineasta canadiano (criador de obras de culto tão fascinantes como "The Fly", "Videodrome" e "Crash")."eXistenZ" resume-se a um universo alucinado onde, indecifravelmente, se cruza a realidade com a ficção. Num futuro próximo e pouco hi-tech, os criadores de jogos de realidade virtual são autênticas celebridades e aos jogadores é permitida a entrada orgânica nessas plataformas, podendo vivenciar as experiências na sua totalidade. Allegra Geller é uma dessas super-estrelas da tecnologia, uma das designers mais conceituadas do ramo e responsável pelo célebre eXistenZ. Numa das exibições do seu novo produto, Allegra torna-se vítima de uma tentativa de homicídio. No entanto, o plano para a eliminar corre mal e ela acaba por ser salva por Ted Pikul, um dos funcionários da empresa que a representa. Receosa em relação à sua integridade física e à protecção do seu sistema, a designer foge com Ted e convence-o a entrar no jogo com ela, para assim se descobrir a identidade dos assassinos... "eXistenZ" surgiu por alturas de "Matrix" e tem em comum com a obra dos irmãos Wachowski a relação que os corpos estabelecem com as exaltações tecnológicas. Contudo, o filme de Cronenberg aposta num visual pouco estilizado para o género e no tratamento de uma narrativa estimulante, sem recurso a filosofia de pacotilha. O realizador insere os jogos em paisagens facilmente identificáveis, mas que por outro lado são também possuidoras de inúmeros elementos que as desvirtuam, causando uma sensação de estranheza e admiração. O jogo funciona como a metáfora perfeita para a construção dos laços afectivos e sociais, enquanto que a vida real parece não ter nenhuma relevância. É nesse cosmos alternativo e completamente viciante que a dimensão sexual se insinua e que o desejo arranca um papel principal; repare-se que "eXistenZ" está repleto de subtilezas sexuais e sensuais, como por exemplo as bio-portas fundamentais para todo o processo de jogo e o pod mutante de Allegra, que é sem dúvida a expressão máxima desta questão. Aliada a esta componente erótica está toda uma narrativa labiríntica (que exacerba o caos entre a realidade e a ilusão), que se entranha no nosso hipotálamo e não nos permite tirar nenhumas conclusões. No fim de contas, o filme é também ele uma espécie de jogo mental que pratica malabarismos com as nossas expectativas e certezas. Uma coisa é garantida: estar perante um objecto de cinema tão desafiador quanto este acaba por ser um prazer equivalente ao proporcionado por algumas plataformas electrónicas.


Classificação: 4/5