
Custa-me dizer isto, mas cá vai: "Eastern Promises" é a maior desilusão cinematográfica que tive este ano, até este momento. David Cronenberg é um realizador que sempre admirei pela sua capacidade de focar eximiamente o tema da dilaceração física e psicológica nas suas personagens atípicas. Mas em "Eastern Promises" não tive a sensação de perturbação e provocação de outrora (nem mesmo de grandes rasgos de criatividade). Pode até ser uma obra de contornos negros que tenta arriscar, mas inexplicavelmente o filme acaba por cair no terreno mais convencional. A história situa-se na Londres dos dias de hoje e gira em torno de Anna, uma parteira que socorre uma jovem de Leste em grave estado clínico. Infelizmente a jovem acaba por falecer, mas o seu bebé sobrevive e é então aí que Anna decide investigar o paradeiro da família da rapariga, recorrendo a um diário que esta trazia consigo. Ao querer traduzir os conteúdos do tal diário, Anna coloca-se em risco e acaba por ser conduzida a uma das mais influentes famílias da máfia de Leste a operar na capital e ao seu enigmático motorista Nikolai. Digamos que o filme tem pontos de partida bem intrigantes (as relações humanas em contextos de extrema violência, os códigos de honra e ética do submundo, o passado que teima em atormentar,…), mas não envolvem o espectador por aí além e conduzem a algumas situações mal resolvidas e a conclusões não muito interessantes (e a um final muito apressado e atabalhoado). Viggo Mortensen eclipsa tudo e todos com o seu Nikolai e só pela prestação dele já vale a pena o visionamento do filme. O pior está mesmo reservado para a inconsequente personagem Anna (Naomi Watts), que desencadeia os acontecimentos mas que não tem espaço nem tempo suficientes para ser devidamente desenvolvida. É pena, pois Naomi Watts é das mais esplendorosas actrizes da actualidade, mas aqui está claramente sub-aproveitada. No entanto, tenho de fazer justiça às interpretações de Vincent Cassel e Armin Mueller-Stahl, repletas de ambiguidade e servindo de excelente suporte à personagem de Viggo, embora não cheguem para salvar o filme dos seus desequilíbrios. As cenas-choque são também de se lhe tirar o chapéu, uma vez que primam pelo realismo e crueza e denotam a vontade do realizador em ir mais além nestes termos. Péssima é a narração, que é sem sombra de dúvida a pior que alguma vez vi/ouvi num filme: é um exercício de auto-comiseração involuntariamente cómico, ao qual nem sequer falta a música do “coitadinho” como pano de fundo. Tudo o que é relatado é triste e deveria emocionar-nos, mas não é isso que acontece; a forma como a história é contada anula inteiramente o envolvimento do espectador e abafa a frontalidade que se exigia (e que teria produzido o efeito desejado). Contas feitas, “Eastern Promises” deixa uma enorme sensação de vazio, de alguma banalidade emocional (aquele romance incipiente não me convence) e de falhanço na originalidade, apesar de ter uma premissa sugestiva e um elenco carismático.
Classificação: 2/5
13 comentários:
:s e eu q até tinha alguma curiosidade em relação a este filme. mas agr tb ando tão arredada do cinema...
Oh raios... enfim, parece que nem todos os fãs de Cronenberg vão gostar disto. Não és a primeira pessoa a dizer que é uma desilusão... a ver vamos. Tenho de o ver em breve.
Eu gostei do filme, embora não o considere uma obra-prima. Ainda assim, tem excelentes cenas e é um trabalho puramente Cronenberguiano, o que é sempre bom de ver. Recomendo.
Dá-lhe uma segunda oportunidade. Vais reparar que é dos filmes com uma força maior dos últimos anos: coeso, profundo, humanamente complexo. Um derradeiro murro no estômago. Há algo de absolutamente transcendente nesta obra-prima de Cronenberg, algo que vem dos clássicos mas que ao mesmo tempo é obsessivamente presente e original.
Um grande abraço Cataclismo ;)
Estava a ver que toda a gente gostava do filme, mas de uma rajada li 3 blogs que não gostaram. Ainda bem, é sinal de leituras e emoções diferentes.
Para mim, por exemplo, as maiores desilusões do ano foram Lynch e Coppola...
Foi uma desilusão enorme! Não digo isto por estar a fazer comparação com os trabalhos antigos de Cronenberg: não, isoladamente acho que "Eastern Promises" é um filme claramente falhado. É pena, pois tinha altas expectativas... Infelizmente não acredito que um 2º visionamento me satisfaça ou me faça ver o filme com outras perspectivas.
Abraços
Gostei muito de "Uma história de violência" mas sobre "Promessas Perigosas" não tenho, de facto, lido boas críticas. Ainda assim, espero ver.
Um abraço
Blueminerva: Apesar de tudo recomendo que se veja o filme. Pode ser que não te desiluda tanto quanto a mim.
Abraço :)
Em geral nao partilho da tua opiniao. O filme tem os seus defeitos, sem dúvida, mas para mim nao deixa de ser um bom filme. Não deixo de reparar, contudo, que o filme me surpreendeu pela sua simplicidade, por outras palavras, estava à espera de algo mais...longo e cru.
Desiludiu-me muito este Eastern Promises, Pedro. Só aquela narração já é um grande ponto fraco. Mas a história em si, a Naomi Watts sem espaço, o pseudo-romance... enfim, melhores dias virão para Cronenberg!
Abraço
Grande filme!
Ir menos vezes ao cinema e escolher melhor os filmes que assistirão. Assim vão ter mais prazer com o cinema. Exposição demais atrapalha. Meu conselho a vocês.
Escolho muito bem os filmes que quero ver. Até porque não ando a nadar em dinheiro e a contenção é uma coisa muito bonita :) Neste caso, sendo fã de Cronenberg, não podia perder este trabalho. Acontece que não gostei, mas o que é que se pode fazer? São opiniões, temos que conviver com a diversidade que esse conceito acarreta. Não acredito na redução da exposição ao cinema como ponto fundamental para apreciar melhor os filmes... Aceito o conselho, mas não o vou aplicar, peço desculpa.
Abraço!
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