segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

La Pianiste - A Pianista (2001)

Lições de Amor

A Pianista, filme realizado por Michael Haneke, é um singular objecto de cinema que provoca a mente do espectador e testa os seus limites morais. Por isso mesmo não gera consenso: ou se ama ou se odeia. Este drama clínico intimista é decididamente um assombroso estudo da psicologia das suas personagens, em que ecoam traços de obsessão, manipulação, desejo e repressão. Mas já seria de esperar tais temáticas, tanto mais que atrás da câmara encontra-se um dos mais interessantes autores europeus da actualidade.

Isabelle Huppert (magnífica) compõe Erika Kohut, uma rígida professora de piano com dificuldades de interacção social. Ela é portentosa na sua arte, mas essa realidade esconde uma personalidade doentia e perigosa: Erika recorre à auto-mutilação como forma de satisfação sexual, tenta prejudicar talentos emergentes nas suas aulas e mantém uma relação ambivalente com a sua mãe (com a qual partilha a casa). Erika é alguém que vive constantemente com o sofrimento e com a negação, com a plena consciência de si mesma e da sua sexualidade distorcida, sendo incapaz de avaliar correctamente o bem e o mal nos seus comportamentos. O seu mundo ficará virado ao contrário a partir do momento em que ela se torna o alvo das atenções e afeições de Walter (Benoit Magimel, igualmente assombroso), um aluno selecto e erudito que se fascina pela professora e que se predispõe a conquistá-la. Essa relação torna-se bastante complexa, conduzindo Erika e Walter por um turbilhão afectivo repleto de acções extremas, em que ela começa a perder todo o controlo e ele vê a sua postura e personalidade totalmente corrompidas.

Ao mesclar a carga perturbadora dos confrontos sexuais com as subtis ambiguidades do desejo, Haneke acaba por propor um foco sobre a progressiva destruição de uma relação em que as expectativas são quase sempre deixadas na periferia. O filme assenta num registo muito clínico e as interpretações (que se encontram nessa linha de acção) deixam transparecer um paradoxo: aparentemente regem-se por algum underacting, mas na verdade percebe-se com clareza a dimensão da tempestade emocional que contêm. Os actores são espantosos nas suas composições, colando aos seus papéis as respectivas densidades psicólogicas e indo aos limites da representação. No fim, tudo acaba por soar a real e a desespero romântico, se bem que de forma assustadora e depressiva. Aqui não há que enganar: A Pianista é mesmo um daqueles "murros no estômago", que nos desconcerta pelo realismo, pelos extremos a que vai e pelo facto de nos deixar a pensar. Se não é um dos filmes maiores da década, anda lá muito perto!


Classificação: 5/5

7 comentários:

Sam disse...

Um filme fenomenal, com o ambiente mais "frio" - a nível físico e psicológico - que já vi nos últimos anos.

Já agora, espero que Haneke não se perca da qualidade que caracteriza os seus filmes na recriação norte-americana de BRINCADEIRAS PERIGOSAS.

Cumprimentos cinéfilos.

Cataclismo Cerebral disse...

Espero que ele não meta a pata na poça com o remake. Mas este A Pianista é um autêntico achado, um filme brutal a todos os níveis.

Abraço cinéfilo!

Loot disse...

Também gosto muito é um filme perturbador e como dizes caracterizado por um "desespero romântico".

Abraço

Betty Coltrane disse...

é grande este filme... gigante mesmo!

sonhadora disse...

Bem ainda não vi... mas este é também mas um filme da minha lista de filmes a ver ... :) pode ser que neste natal o veja!

Eu adoro filmes que "Espancam o estômago"!

Este parece pela tua critica ser mais um :)!

Beijocas

Cataclismo Cerebral disse...

Loot: Acho que abala qualquer pessoa, não é nada fácil de se ver.

Betty: Enorme, colossal,... Mas muito pouco conhecido, infelizmente :(

Sonhadora: Quase que posso apostar que vais amar, tou mesmo a ver!

Bjs e abraço

Unknown disse...

É o filme mais frio e mórbido que eu já vi.
É triste, decadente, nauseante, surreal. Mostra a decadência da humanidade e não deixa nenhuma mensagem positiva ou encorajadora para sua vida. Você sai chocado do filme. Como se tivessem levado um pedaço de você.
Não recomendo esse filme a ninguém.