quinta-feira, 10 de abril de 2008

Marie Antoinette (2006)

A Rainha do Povo

Que Sofia Coppola é um dos maiores talentos da sua árvore genealógica, disso não tenho as mínimas dúvidas. Há alguns anos que a talentosa argumentista e realizadora acalentava o desejo de criar um filme sobre a trágica Marie Antoinette, a jovem e terrible monarca de França (ao que parece, enquanto estava enredada na escrita deste projecto, Sofia começou a desenvolver uma obra que viria a ser o sucesso de crítica e público Lost In Translation). Quando finalmente surgiu a incrível permissão para filmar no interior do Palácio de Versalhes, as estrelas da sorte estavam como que alinhadas para a benção de algo que se acreditava ser inesquecível. Mas o saldo acabou por não ser tão entusiasmante. Acontece que, aquando da estreia do filme no Festival de Cannes, as críticas foram tudo menos entustiásticas, algumas até maldosas dizendo que a realizadora tinha perdido parte do encanto e originalidade que demonstrara nas obras anteriores.

Para elaborar o seu sonho, Sofia baseou-se livremente na polémica biografia da historiadora Antonia Frasier e interpretou o que absorveu. Por isso, para os puristas dos retratos históricos fica o conselho: procurar verosimilhança absoluta no que nos é apresentado não só se revela um erro crasso (contas feitas, a Marie Antoinette de Kirsten Dunst usa ténis Converse All Star, o que diz tudo) como também um simplismo na abordagem a este tipo de obra (lá por se adaptar a trajectória pessoal de uma figura icónica não significa que não se possa reinventar ou modernizar esse percurso, para estar em consonância com a visão de quem avança com o projecto).

Esta fábula feminista invoca então o espírito de Marie Antoinette (filha do imperador austríaco François I) que, ainda em plena adolescência, se vê obrigada a abandonar a sua Áustria Natal e partir rumo a Paris, para se casar com o futuro Rei de França, Louis XVI. A sua chegada à Corte Imperial marca o início da aliança franco-austríaca mas vai despoletar uma série de escandâlos que farão com que a jovem Marie Antoinette não seja muito bem vista nem aos olhos da monarquia reinante, nem do próprio povo francês. Kirsten Dunst foi a escolha da realizadora para encarnar a monarca rebelde, uma vez que a parceria entre ambas resultou magistralmente na longa-metragem inaugural de Sofia (The Virgin Suicides). Dunst, uma das actrizes mais resplandecentes da sua geração, faz muito com o pouco material dramático à sua disposição e não é certamente por culpa dela que o filme não resulta.

O problema reside na aposta numa grandiloquência a nível formal em detrimento de uma coerência narrativa. Nesse sentido, temos um filme plasticamente belo, glamouroso e com trejeitos de videoclip pop-rock, mas irritantemente parco em substância dramática. Falta a Marie Antoinette a perturbação emocional e a dimensão trágica que nos faria assimilar a tremenda injustiça a que aquela mulher foi sujeita. Apenas me marcaram duas cenas em que compreendemos a profundidade da personagem: quando recebe a destruidora carta da mãe e quando passeia com os filhos pelos jardins. De resto, Marie é basicamente uma top-model pueril, iníqua, viciada em doces e em constante movimento, como que a querer dar a falsa ilusão de que se está a passar muita coisa a nível dos sentimentos. Nada mais errado: o que se transmite na verdade é a total sensação de futilidade e inocuidade.

O mais frustrante é que a ideia-raíz de Sofia é fabulosa, um pouco na linha do que já tinha feito nos seus outros filmes. O olhar triste sobre a solidão na adolescência, o desespero de não se fazer compreender, a melancolia que o contexto tem sobre nós e o vazio existencial são vectores que, bem explorados, poderiam ter desaguado num biopic radical, mas tematicamente complexo. Infelizmente, nada disso acontece devido ao tal dispositivo dramático insuficiente. Depois, surge um outro erro gritante que é a marginalização das personagens secundárias; ao não terem tempo de antena, resumem-se apenas a adereços maravilhosamente vestidos e maquilhados, mas com uma espessura humana comparável a uma folha de papel.

Tiro o chapéu à espantosa fotografia e à coragem pela introdução de uma banda-sonora anacrónica (com nomes sonantes como The Cure, New Order e The Strokes), sendo que esta última decisão criativa é uma das tiradas mais majestosas de todo o projecto. Com essa opção, o que o filme faz é modernizar Marie Antoinette, trazendo-a para o contemporâneo e traçando um interessante paralelo com todas as mulheres que continuam a sofrer inúmeras opressões vindas de uma qualquer sociedade moralmente obsoleta e decadente. Tenho mesmo imensa pena do desperdício de valores que representa este filme, tanto mais por realmente compreender a mensagem que a realizadora quis passar. Enfim, depois deste tropeçar só nos resta esperar que venham melhores dias para a filha de Francis Ford Coppola... Vamos fazer figas!


Classificação: 2/5

17 comentários:

Anônimo disse...

Já as estou a fazer. Às figas. :)

Cumprimentos.

Hugo disse...

Não assiste este filme, mas geralmente quando tentam fazer um filme de época com elementos do tempo atual o resultado acaba não sendo satistatório.

Abraço.

Maria del Sol disse...

Fiquei com a mesma impressão do filme. Embora seja plasticamente é deslumbrante, a fraqueza do argumento deita por terra o projecto.
A jovem rainha que Dunst encarna mostra rebeldia, mas também alguma vacuidade. E se isto já se nota na protagonista, é confrangedor nas restantes personagens (mesmo no curioso "cameo" de Marianne Faithfull, que foi dos que mais apreciei).

Beijinhos!

Anônimo disse...

eu adorei-o! :)

Anônimo disse...

Grande filme, grande banda sonora. Visualmente fabuloso!

Anônimo disse...

Um filme que com certeza me decepcionou. Não é de todo ruim, tem uma fotografia/cenario/figurino sensacional, mas o que sobra em visual falta em roteiro. Infelizmente para a filha de Coppola, esse entra entre os seus piores filmes.

Anônimo disse...

Curiosamente é o meu filme preferido dela, não é perfeito mas considero-o bem melhor do que o mediano "Lost in Translation".
Cumps

C. disse...

Em completo desacordo. Embora tenha de admitir que gostei (ainda) mais num segundo visionamento.

Blueminerva disse...

Não vi, daí que não possa opinar. No que diz respeito aos anteriores filmes de Sofia Coppola, gostei muito de "Lost In Translation" e achei soberbo "The Virgin Suicides".
Um abraço

Anônimo disse...

figas, figas! :P

amo este filme :)

Luís A. disse...

Coppola prefiro o pai e o primo. Esta nunca me convenceu...

Cataclismo Cerebral disse...

J.L.: Não as desfaças! :P

Hugo: Não me importo com a mescla, desde que tenha resultados interessantes...

Maria: Estamos de acordo, está visto. O cast secundário é tão bom mas tão subaproveitado!

The Nader e Anónimo: ;) Eu queria ter adorado, acreditem que sim.

Isabela: Concordo, é isso mesmo. Valeu a tentativa de Sofia :S

Gonn1000: O Lost In Translation é um dos filmes da minha vida; colou-se-me à pele assim que o vi... Daí as esperanças de que Marie Antoinette fosse muito bom.

Wasted Blues: Pensei que num segundo visionamento a minha perspectiva alterar-se-ia, mas não verificou...

Blueminerva: Ela começou muito, muito bem! Pôs o patamar bem alto, não foi?

Joana: Continua a fazer ;)

Luís: Gosto muito dela, mesmo...

Abraços

Nia disse...

é dos meus prefs tb e foi o filme k mais me agradou no ano transacto

Saudações, Nia

calminha disse...

Sofia Coppola gostou imenso dela omo realizadora , mas mais um filme k nao vi mas abriste-e o apetite.bj

Cataclismo Cerebral disse...

Nia: O filme não é nada consensual, isso é certo... Mas também é interessante discutir as opiniões que sobre ele se abatem.

Calminha: Se calhar não abri assim tanto o apetite, já que a nota que lhe dei foi mázinha. Mas mesmo assim aconselho sempre aos visionamentos dos filmes.

Abraços!

Unknown disse...

Será que era intenção ultrapassar a barreira do estético? Não me parece, pelo que li de entrevista da Sofia.

Adorei o filme...

Cataclismo Cerebral disse...

Se não era, então a Sofia começou mal de raíz... Queria ter gostado do filme, mas foi um tropeção de grande escala.