quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

No Country For Old Men - Este País Não é Para Velhos (2007)

Uma História de Violência

Começo por confessar que não sou dos maiores fãs da obra dos manos Coen. Admiro-lhes a capacidade de adaptação aos diversos géneros cinematográficos, a tentativa de expressar originalidade naquilo que filmam e de nunca se esquecerem de introduzir as suas características notas satíricas mesmo em cenas dramaticamente complexas. O grande senão é que, com bases tão interessantes, aquilo que os manos edificam acaba por deixar quase sempre uma sensação de que se poderia ter ido mais longe, quer em desenvolvimento humano, quer em aprofundamento das temáticas narrativas. No Country For Old Men é decididamente um bom filme, mas não o consideraria o "filme do ano" tal como a Academia o fez.

O que a dupla Coen nos dá é um conto negro que evoca a mitologia dos westerns clássicos, remetendo para as noções de violência e bem vs mal do passado que se continuam a propagar no presente. O filme é particularmente eficiente na imersão no lado negro da condição humana, onde a perversidade, a ganância e, mais uma vez, a violência se passeiam naturalmente lado a lado. Por seu turno, a moral (que é representada pela personagem de Tommy Lee Jones) está revestida pela desilusão de quem já assistiu a muito e que já não possui grande esperança no Homem. Todos estes contrastes são filmados sob uma atmosfera hiper-tensa, sordidamente tétrica e capaz de colocar o nosso dispositivo dos nervos em constante estado de alarme.

A história, baseada no romance homónimo de Cormac McCarthy, desenrola-se no Texas, nos idos anos 80: enquanto está a caçar, Llewelyn Moss encontra um mala cheia de dinheiro (2 milhões de dólares) e uma carrinha com um carregamento de droga, que resultou de uma operação de tráfico que correu para o torto. Os intervenientes estão dizimados e Moss não perde tempo a tomar posse da mala, que é um petisco bem apetecível. Mal sabe ele é que atrás de si irá Anton Chigurh, um assassino implacável e sádico equipado com uma botija de ar comprimido e crente convicto na aleatoriedade do "cara ou coroa". Nesta batalha entre a presa e o predador, encontra-se a justiça na pele do Xerife Ed Tom Bell , cada vez mais desencantado com a natureza humana. Afinal, num acto que parecia ter todos os ingredientes para ser linear, Moss acaba por desencadear uma onda de violência extrema.

Sem nunca esquecer o humor negro que os caracteriza, os Coen revelam-se dinâmicos na construção de um thriller intenso onde o factor humano é o mais importante. Tommy Lee Jones e Javier Bardem são sem dúvida as peças mais intrigantes deste jogo. No caso do segundo, ele compõe um sinistro assassino com uma ética muito própria e avesso a sentimentalismos. O seu psicótico Anton insinua-se de forma serena, escondendo as suas verdadeiras intenções e aparentando até uma certa elegância obscena. Bardem tem aqui um dos melhores papéis da sua carreira e o Óscar de secundário foi muito merecido. O filme conta ainda com a vitalidade do feminino, muito bem representada por Kelly Macdonald: ela é a pureza e a consciência num mundo de homens insanos pela violência, onde a misoginia é um dado adquirido.

Não sendo uma obra-prima absoluta, No Country For Old Men resulta num filme incendiário que vem uma vez mais comprovar o imenso talento da dupla no campo da realização e na sua arte específica de storytelling. Destaque final para a fotografia, que capta a solidão desencantada das paisagens do interior dos EUA.


Classificação: 4/5

12 comentários:

Unknown disse...

Pois... Realmente é muito bom existirem as mais diversas opiniões. Reforçam culturalmente o mundo cinéfilo. De qualquer forma, acho que qualquer pessoa é forçada a concordar que a interpretação de Javier Bardem é fenomenal.

Parabéns pela crítica e blog,

Filipe outinho

DoxDoxDox disse...

muito bem criticado.
Seria, para mim, um filme para 5 estrela. Como dizem tu e o Fifeco aqui em cima, Javier Bardem está indiscutivelmente fenomenal, merecedor absoluto do óscar.
Lembrou-me um pouco o Johnny Depp em Once Upon a Time in Mexico.
Os irmãos Coen são mestres na narrativa negra e na sátira mesmo em situações de alto suspense. delicioso.

Anônimo disse...

mais uma estrelinha pelos pormenores geniais, e pela coragem de nao ser um filme politicamente correcto

Johnny Boy disse...

Mesmo não achando que seja o melhor filme dos Coen, nem o melhor do ano (Haverá Sangue e O Lado Selvagem são os meus favoritos) para mim é 5 em 5. De qualquer forma a crítica está muito bem fundamentada.

Cumprimentos!

calminha disse...

Gostei imenso desta critica e muito bem visto a vitalidade do feminino. representada pelo Kelly Macdonald.

Pedro Pereira 77 disse...

Este não me encheu as medidas, à frente deste ficava o Haverá Sangue, O Lado Selvagem, Expiação, Sweeney Todd, Juno e até o American Gangster...
Enfim, os gostos da academia nem sempre pode coincidir com os meus...

Boa critica

Blueminerva disse...

O oscar de melhor actor secundário parece-me bem entregue. Confesso que tenho uma particular admiração por Javier Bardem. Já o oscar de melhor filme... não tenho dúvidas em afirmar que estaria melhor com PTA pelo seu magistral "There Will Be Blood". E a academia já está em dívida com PTA desde Magnolia (obra-prima do cinema) que perdeu para um anedótico American Beauty.
Um abraço

Cataclismo Cerebral disse...

Fifeco: Bardem está em grande forma, como já é costume. O filme em si é bem bom, mas outros mereciam o Óscar de melhor filme...

Sabrina: Obrigado ;) Como disse não sou grande fã da dupla porque acho que ficam sempre a um passo da genialidade. Falta sempre um pouquinho para fazerem grandes filmes. Excepção feita ao odiado The Big Lebowski :)

Anónimo: Cada cabeça sua sentença ;) É um chavão mas aplica-se na totalidade!

Johnny boy: Obrigado pelo elogio. O meu coração cinéfilo também pende mais para o Haverá Sangue e para o Into The Wild.

Calminha: A Kelly é a dignidade personificada! Obrigado pelas tuas palavras...

Halloween77: Estou na mesma maré que tu! ;) Obrigado.

Blueminerva: Minha nossa, como concordo contigo... Subscrevo por completo!

Abraços!

Ema disse...

está visto: tenho de ver.

Cataclismo Cerebral disse...

Força nisso então ;)

Daniel disse...

Hoje tenho que discordar de ti, caro Cataclismo. O filme não vai além de um sofrível porque não é nem original nem inovador em nada (a arma dos crimes deve ser a única coisa inovadora). Diálogos ou mal conduzidos/obsoletos ou francamente previsíveis, o out-of-date de uma descrença no futuro da humanidade, uma história que é aparada em alguns pontos para dar a ilusão de mistério e de subtileza. Não convence nem um ceguinho à beira da estrada. Até o Tommy Lee consegue ser mais interessante que o Javier Bardem! Uma pura fachada, bem filmada, é certo, mas sem uma verdadeira substância. A prova de que Hollywood é mais uma treta comercialona e obsoleta. Que saudades do "Mar Adentro", aí sim um óscar poderia valer alguma coisa...

Abraço

Cataclismo Cerebral disse...

Aceito a tua crítica com todo o respeito. Não concordo mesmo nada é com a referência à Hollywood comercial e obsoleta. Volto a repetir: nem tudo o que é independente e marginal é bom, assim como nem tudo o que é comercial e de grande estúdio é mau. Há muita coisa boa em Hollywood, é preciso é saber identificar os produtos desse universo que melhor se colam à nossa pele ;)

Abraço