segunda-feira, 5 de maio de 2008

Holy Smoke - Fumo Sagrado (1999)

Não há Fumo sem Fogo...

Numa viagem de descoberta existencial pela Índia, Ruth (uma jovem de origem australiana) acaba por integrar uma seita religiosa new age comandada por um influente guru. Preocupados com a nova situação da filha, os pais decidem contratar os serviços de um carismático desprogramador de vítimas de seita, que incorpora na sua bagagem intelectual uma curiosa teoria dos três passos. Quando a família consegue convencer a rapariga a regressar temporariamente ao seio do lar, o desprogramador entra em acção, pronto a recuperar-lhe a essência original. A reunião no deserto entre este homem e esta mulher desagua num duelo de personalidades vincadas e numa luta de afirmação sexual quase selvagem.

Holy Smoke, escrito por Jane Campion (que acumula aqui a função de realizadora) e pela sua irmã Anne, vem no seguimento do sucesso estrondoso de The Piano e do também interessante Portrait of a Lady. Campion tenta mais uma vez impor uma das suas marcas autorais por excelência, ou seja, a verticalidade do feminino perante a presença desafiadora (ou insinuante) do masculino. Holy Smoke, não sendo grande espingarda enquanto filme, acaba por ser o projecto da realizadora onde essa característica mais se percepciona. Este facto ganha maior credibilidade se atentarmos no tom do filme, que dembula sempre num registo de crónica neo-feminista de contornos eróticos, onde a confrontação acérrima dos sexos encontra uma plataforma muito estável. No limite, Holy Smoke funciona como um estudo sobre o desarmamento sexual, onde cada sexo se tenta insurgir da forma mais impositiva possível, seja com o recurso à expressão corporal ou verbal.

Infelizmente, esta fábula contemporânea não está isenta de lacunas. O ritmo que nem sempre se rege pela fluidez e que perde um pouco o pulso da narrativa, dando azo à intervenção não muito simpática da letargia. O leque de personagens secundárias também não funciona por aí além, porque se por um lado acentua a faceta exótica da fita, por outro não é verdadeiramente importante para o desenvolvimento da história. Ainda assim, moram aqui méritos que são inegáveis, até porque no cômputo geral Holy Smoke é provocador o suficiente para colocar em cena as políticas sexuais que inauguraram o novo milénio (recordo que o filme foi produzido em 1999).

No plano das composições dramáticas do par principal é que reside o fascínio desta empreitada: Harvey Keitel e Kate Winslet são simplesmente gigantescos, devorando o ecrã e os seus papéis como poucos. Estes intérpretes de força telúrica impedem constantemente que o filme caia pela ribanceira abaixo e se desmorone em múltiplas peças. A coesão das suas performances é o núcleo que agrega tudo o que resto, permitindo que as mensagens do argumento sejam perpetuadas de forma estimulante. É verdade que o filme é mais odiado que amado (há quem o acuse de ser pretensioso) e dificilmente será alvo de reavalição crítica num futuro próximo, mas merece alguma consideração pela sua coragem. É que, embora não seja muito bom, não deixa de ser interessante.


Classificação: 3/5

12 comentários:

sonhadora disse...

Bem... o que me trouxeste à memoria!!! Este foi um dos filmes que me começou a educar culturalmente... foi com este filme que comecei a ver o dito cinema alternativo!
Gostei muito do filme... não é uma pérola do cinema.. mas pelo que me recordo.. é bastante interessante. Tenho de o rever... não consigo fazer um comentário construtivo!

beijinhos

Maria del Sol disse...

Falaram-me muito bem do romance, do filme ainda não tinha lido nenhuma apreciação. Depois de ler a tua fico curiosa em relação a ambos.

Beijinhos e boa semana. :)

Vieille Canaille disse...

A única coisa que conheço da Jane Campion é "O Piano", e acho que a crítica exagerou um pouco - benevolência a mais -, apesar de ser um filme bonito! Bom, quanto à Kate Winslet, de quem eu tinha uma péssima impressão, devido ao desastroso (literalmente!) "Titanic" - isto, é claro, na minha modéstia opinião, pois o raio do filme foi um sucesso estrondoso de bilheteira (as massas impressionam-me pelo mau gosto!) -, mas que depois de vêr o "Quills", do Philip Kaufman, com o fabuloso Geoffrey Rush, e "Heavenly Creatures" do (surpreendentemente!!) Peter Jackson, fiquei a admirar a rapariga! Quanto a este "Holy Smoke", a tua descrição é, no mínimo, incentivante... fiquei com curiosidade, sobretudo pelo Harvey Keitel e - como acabei de explicar -, obviamente, pela Kate Winslet.

Ema disse...

adorei o livro. quanto ao filme, fiz uma investida há uns anos, mas acabei por adormecer a meio. não posso dizer nada, portanto.

Isabela disse...

Ja tinha ouvido falar, mas ainda nao encontrei na locadora.

Cataclismo Cerebral disse...

Sonhadora: O filme melhora a cada visionamento. Sim, a obra tem uma face de cinema alternativo muito apelativa.

Maria: O romance ainda não li. Mesmo sem ser um filme maravilhoso, merece alguma atenção :)

Vieille Canaille: Adoro o The Piano, é um dos meus favoritos dos anos 90. Nutro igual admiração por Kate Winslet, até mesmo no que diz respeito à sua participação no Titanic. Volto a repetir: há filmes comerciais muito bons assim como há filmes alternativos muito maus. Considero que o Titanic é um dos casos de filme de massas que até contém qualidades muito estimáveis. Este Holy Smoke é um exercício curioso e satisfatório, aconselho-te uma vista de olhos! :)

Ema: Se calhar estavas em dia "não" ;) Mas o filme exige mesmo muita dedicação por parte do espectador, isso é certo.

Isabela: Este é um daqueles projectos marginais que só com sorte se apanha uma vez por outra na TV. Já em DVD e videoclube torna-se complicado achá-lo...

:)

Vieille Canaille disse...

Não disse que o cinema comercial seja necessáriamente mau - talvez tenha sugerido que a massificação da Arte (neste caso, o cinema) transforme o objecto artístico em algo menos interessante e, de certa forma, isto corresponde à verdade -, mas no caso do Titanic, achei aquele romance totalmente entediante... não havia necessidade. Como descrição factual e histórica, o filme terá os seus interesses (é assim que lhe dou algum valor, mas mesmo nesta perspectiva, não o quero voltar a vêr).

Cataclismo Cerebral disse...

Está entendido...

Abraço

Pedro Pereira 77 disse...

Sempre tive curiosidade para ir ver este filme... ainda não o vi

Cataclismo Cerebral disse...

Costuma passar no Axn. Está atento a esse canal, com sorte apanha-lo num destes dias...

Blueminerva disse...

Acho que o filme vale pelas magníficas interpretações de Harvey Keitel (de quem gosto muito)e Kate Winslet.
Umm abraço

Cataclismo Cerebral disse...

Sim, vale acima de tudo por esses dois actores...

Abraço