sexta-feira, 31 de agosto de 2007

IX Festa do Teatro, em Setúbal

Está em curso a "IX Festa do Teatro", em Setúbal. A organização está a cargo da companhia Teatro Estúdio Fonte Nova e conta-se com a presença de diversas companhias de teatro portuguesas e também com uma vinda directamente da Galiza. O evento irá decorrer por vários locais da cidade e incluem-se quer as peças de foro mais intimistas, quer as representações em cenários de rua.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

"A Caverna", José Saramago

José Saramago sofre do mesmo problema que um Manoel de Oliveira: o seu trabalho é extremamente subvalorizado na sua pátria. Posto isto, devo confessar que estou a adorar ler este livro do nosso prémio Nobel, "A Caverna". Claro que a estrutura narrativa não é convencional, mas isso já todos sabemos. Este belo romance traça o devastador impacto das actuais economias sobre as economias mais tradicionais e actualiza o mito da caverna de Platão. Consegue ainda ser um fascinante estudo sobre uma idade avançada e já sem grande esperança e também sobre a inquietação dos estados de alma. Soberbo...

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

O Percurso de um Filme...

A rapidez com que o filme "A Rainha" foi comprado pela nossa televisão pública, que o irá exibir já este Domingo, coloca algumas questões pertinentes relativamente ao actual percurso que os filmes trilham. É sabido que estamos em vésperas do 10º aniversário da morte da Princesa Diana, tornando-se relevante a exibição da fita de Stephen Frears, mas pergunto-me se tal decisão não será prejudicial para o trajecto comercial de um filme que, ainda recentemente, saiu em DVD. Claro que esta questão não interessa às televisões (que apenas querem obter os direitos de exibição dos títulos e transmiti-los quando bem lhes apetecer) nem aos espectadores (que saem obviamente a ganhar com estas decisões, pois neste caso podem ver uma obra muito recente e premiada pela Academia de Hollywood). Mas penso no tal percurso dos filmes: após a sua conclusão, são incluídos (ou não) nos circuitos dos festivais de cinema; se algumas distribuidoras se mostrarem interessadas, são comprados e lançados nas salas; após sairem destas, segue-se a inevitável edição em DVD para aluguer em videoclubes; poucos meses depois formula-se o DVD para ser comercializado nos diversos pontos de venda. Entretanto, foram apresentados em "feiras" exclusivamente dedicadas aos negócios da programação televisiva (as tais onde se podem adquirir também séries, formatos de entretenimento,...), onde as inúmeras estações de televisão de todo o mundo vão seleccionar e comprar os seus conteúdos. Esta trajectória é fundamental para a vida das obras, principalmente para os filmes independentes que vivem não só do sucesso comercial nas salas, mas sobretudo de todas as etapas do processo. Acredito que se deve explorar ao máximo as potencialidades de cada fase. Ainda para mais, numa altura em que o cinema não vive os seus melhores dias em termos económicos, creio que estas estratégias devem ser muito bem pensadas e amplamente discutidas...

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Helen Mirren, a Rainha!

Domingo, na RTP1, pelas 22h15.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Top Trilogia da Dor

1) 21 Grams - 21 Gramas (2003)
2) Babel (2006)

3) Amores Perros - Amor Cão (2000)

Babel (2006)


As Fronteiras da Comunicação

Brilhante conclusão da famosa Trilogia da Dor! O que apreendemos em "Babel" é que as nossas fronteiras individuais e familiares tendem a ser infinitamente mais devastadoras e implacáveis do que aquilo que se julga e que a incomunicabilidade ganha um peso difícil de suportar. Nesta aldeia de proporções cada vez mais globais, estão-se a esfumar os mais valiosos laços que nos unem uns aos outros, no aqui e agora. Refiro-me às relações entre pais e filhos, que neste filme assumem o papel de destaque e revelam que, independentemente das culturas, credos e nacionalidades, essas uniões necessitam de uma intensa e honesta comunicação por forma a não se desvanecerem. Não são só as fronteiras físicas que irremediavelmente nos vão afastando: são principalmente as nossas identidades, mágoas e os limites que traçamos que nos impedem de um contacto mais que desejado, tornando quase impossível esse desespero de transmitir o que nos vai no âmago. A incomunicabilidade torna-se o pólo caracterizador das relações que se estabelecem no filme (o casal americano em viagem por Marrocos e em vias de ruptura; a adolescente japonesa surda-muda que usa a sua sexualidade para se expressar e que tenta desesperadamente alcançar o seu distante pai; a babysitter mexicana que rompeu com o seu passado e que tentou edificar a sua vida noutro contexto, até se ver confrontada com um inacreditável incidente fronteiriço; e a paupérrima família marroquina, em particular as crianças, que acabam por iniciar a tragédia que irá interligar todas estas personagens em conflito interior) e, no entanto, a consciência desse facto levará também à confirmação da importância que o amor ocupa nesta vida. A dor existencial existe, mas é passível de ser amenizada com um breve toque, com um meigo abraço e com todo o amor inquestionável. É isto que estas personagens anseiam e que Alejandro González Iñárritu tão bem capta, tirando partindo de uma excelente equipa técnica e de um elenco também ele bastante diversificado (americanos, mexicanos, japoneses, marroquinos, a australiana Cate Blanchett,...). No fim de contas, a universalidade do amor e da dor está muito bem retratada num grande, grande filme!

Classificação: 5/5

sábado, 25 de agosto de 2007

21 Grams - 21 Gramas (2003)


O Peso Da Alma

Um trágico acidente reúne três pessoas cujas vidas já passaram por momentos extremamente turbulentos. Cristina (Naomi Watts) ganhou as forças suficientes para fugir do submundo das drogas e do álcool e constituiu uma família bastante estável; Paul (Sean Penn), um matemático, vive dilacerado pela sua grave doença cardíaca e por uma relação que já viveu melhores dias; Jack (Benicio Del Toro) lá conseguiu encaminhar a sua existência, depois de ter sido preso, e agora já só quer levar um rumo pacífico com os seus filhos e esposa, seguindo-se quase fanaticamente pelos parâmetros religiosos. Mas como já disse, um terrível acidente colocará estas almas em estado de colisão, fazendo então com que os sentimentos de dor, culpa e vingança venham à tona. "21 Gramas" vem na sequência do aclamado filme "Amor Cão" e faz parte da "Trilogia da Morte" (sendo que a etapa conclusiva cabe a "Babel"). Este filme apoia-se numa realização virtuosa e numa estrutura narrativa fragmentada, que é sempre uma opção muito interessante e que joga com a habilidade do espectador: muitas vezes sabemos antes das personagens o que irá acontecer; outras, são-nos apresentadas cenas que não compreendemos imediatamente, mas que farão todo o sentido mais à frente na narrativa. É uma forma sempre original de se contar uma história mas, sinceramente, mesmo que o realizador tivesse optado pela forma clássica de realização, o argumento não perderia por isso e o impacto teria sido idêntico. É um filme extremamente depressivo, mas também belo e com alguns focos de esperança para aquelas personagens, principalmente lá para o fim. Nos momentos de maior vulnerabilidade, estas 3 pessoas quase que ganham uma dimensão angelical e somos conquistados por essa mágica sensibilidade. Está-se perante uma incrível jornada de dor e fé, de quem já desceu às trevas mas que mesmo assim de lá conseguiu ressurgir. Tudo aqui se conjuga perfeitamente, criando uma fita de inegável beleza e frontalidade, com superlativas interpretações de espantosos actores.


Classificação: 5/5

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Hoje, no canal FOX, às 21h30,...

... é exibido o excelente "La Haine" ("O Ódio"), o muito esquecido filme de Mathieu Kassovitz, que só recentemente voltou a ser falado devido às infames escaramuças nas ruas de Paris. O filme acompanha, durante 24 horas, a jornada de três amigos que vivem nos subúrbios franceses e que não mantêm uma grande relação com a força policial. Um deles, Vinz, encontra uma arma que um polícia perdeu durante uns confrontos e, a partir daí, as suas raivas, tensões e limites irão ser testadas... Filmado a preto e branco, essa característica apenas vem acentuar o clima de angústia e opressão presentes no argumento.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Poder Feminino no Cinema







1) Jodie Foster, "The Silence Of The Lambs" (1991)

2) Susan Sarandon e Geena Davis, "Thelma & Louise" (1991)

3) Sally Field, "Norma Rae" (1979)

4) Julia Roberts, "Erin Brockovich" (2000)

5) Uma Thurman, "Kill Bill" (2003-2004)

6) Sigourney Weaver, "Aliens" (1986)

7) Gina Gershon e Jennifer Tilly, "Bound" (1996)

E continua, continua...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A Ler: "Filha Da Fortuna"

Depois do espantoso "A Insustentável Leveza Do Ser" (que me arrebatou completamente), vou agora lançar-me nas teias da Isabel Allende, com o "Filha Da Fortuna". As primeiras páginas auguram uma bela saga...

A ter em conta...



"Lions For Lambs", com Meryl Streep, Tom Cruise e Robert Redford.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Mystic River (2003)


"Mystic River" não me convence, de todo. Se há filmes que recentemente me provocaram tremendas desilusões, então este é um desses casos. Acho que não é uma obra sincera e não tenta sequer arriscar nas suas imensas capacidades, que dariam contornos muito mais interessantes ao argumento e à própria caracterização das personagens. A história resume-se a 3 amigos (Jimmy, Dave e Sean, interpretados por Sean Penn, Tim Robbins e Kevin Bacon, respectivamente), que ficaram marcados por um terrível evento nas suas infâncias. Acabaram por se dispersar e seguir caminhos bem diferentes. Mas chega o momento em que são obrigados a reunir-se e a confrontar os seus fantasmas, quando a filha de um deles é encontrada morta no parque da cidade. Os desempenhos são bastante bons (em especial os de Sean Penn e Tim Robbins), uma ou outra cena marca-nos pelo seu brutal impacto emocional e podemos sempre contar com o rigor da realização do mestre Eastwood, mas fora isso sobra pouco. Não vislumbro um grande pulsar emotivo e creio que tudo descamba para um facilitismo e esquematismo que incomoda aqueles que conhecem e admiram as potencialidades do excelente realizador. Por exemplo, não acredito que as razões para a morte de Katie (filha da personagem de Sean Penn) sejam aquelas; acredito sim que o assassino agiu propositadamente, de forma a manter a sua instável vida familiar e obrigar a permanecer ao seu lado a pessoa que mais amava. As cenas da perturbada esposa de Sean são um pouco ridículas e estão obviamente deslocadas (não acrescentando mesmo nada à história) e a marginalização da mulher de David pelas outras personagens é incompreensível, para além de gerar no espectador a sensação de injustiça. Queriam-se mais momentos destes, que jogassem com as nossas emoções, mas não, infelizmente fica-se com mais uma história de traição, enganos e infortúnios em que nada parece bater muito certo e onde a originalidade do trabalho de Clint Eastwood não se vislumbra. Tudo pautado por uma fraca vertente humana e fortes desequilíbrios narrativos. Enfim, uma verdadeira desilusão de filme que apresenta outro grave sintoma: o da sobrevalorização.


Classificação: 2/5

sábado, 18 de agosto de 2007

Birth - O Mistério (2004)


A Metafísica Do Amor

Um belíssimo filme metafísico, amado e odiado em partes iguais. Estamos perante uma obra fabulosa e intensamente radical. Arrisco até a dizer que Birth nem parece ser um trabalho desta época: desenvolve-se de uma forma que não se coaduna com os imperativos cinematográficos contemporâneos e encontra-se repleto de inteligência, subtileza e sugestão (algo raro de se encontrar). Estranhamente, com tantos dados relevantes a seu favor, Birth acabou por ser desvalorizado pelo público. Acredito que essa subvalorização prendeu-se com o facto do público de hoje se centrar quase exclusivamente na questão dos twists que, por muito espectaculares que sejam, não podem nunca resumir o imaginário de um filme .

Depois, alguma crítica medíocre acabou por ser tremendamente injusta ao trilhar o caminho mais perverso, acusando o filme de conter cenas extremamente chocantes (?) e de se centrar sobre o polémico tema da pedofilia (??). Muito equívoco e muita crueldade, tanto mais quanto o filme não contém cenas chocantes que envolvam o jovem protagonista, nem sequer foca a atenção na problemática do abuso sexual de menores.

Iniquidades à parte, passemos ao essencial: Birth narra a história de Anna (Nicole Kidman), uma viúva há dez anos que se cruza com um rapaz que diz ser a reencarnação do seu marido. Inicialmente, Anna não leva as afirmações do miúdo muito a sério, mas quando este começa a revelar pormenores íntimos do casal e de alguns familiares, a jovem mulher começa aos poucos a acreditar na possibilidade do seu marido estar de volta. Anna começa então a desenvolver uma relação muito profunda com a criança, que não é bem vista pelas pessoas ao seu redor.

O interessante em Birth não passa pelo descobrir se aquilo que o rapaz diz corresponde ou não à verdade; o que realmente importa é verificar as consequências que a sua presença traz para a personagem de Nicole Kidman e para o seu universo afectivo. O tema do filme não é tanto a reencarnação, mas sim a força e a dimensão da crença. No limite, Birth é um filme com uma carga religiosa pungente. A composição de Nicole Kidman é assombrosa, plena de vulnerabilidade e densidade emocional. A sua Anna é alguém que, a pouco e pouco, começa a ceder nas suas convicções e a anular a sua sólida personalidade perante o caos que se lhe apresenta. Ela segue aquele processo auto-destrutivo apenas porque se quer entregar ao amor que conhece e que nunca a abandonou, apesar da morte se ter intrometido. O argumento é aqui tão hábil, maduro e complexo que consegue sempre evitar algumas armadilhas inconsequentes que poderiam minar a sua credibilidade.

A realização é austera e elegante (evocando com grande eficácia os espíritos de Stanley Kubrick e Ingmar Bergman) e a banda-sonora, a cargo de Alexandre Desplat, pauta-se pela excelência. Uma nota final para aquele close-up que ainda hoje me persegue e que se impõe como uma das peças-chave do cinema do novo milénio!


Classificação: 5/5

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Um grandioso videoclip...

Top 3 Vida Nos Subúrbios

1) Blue Velvet - Veludo Azul (1986)



2) Little Children - Pecados Íntimos (2006)



3) American Beauty - Beleza Americana (1999)


terça-feira, 14 de agosto de 2007

Ringu - A Maldição (1998)

Desiludiu-me bastante este filme... Depois de todo o hype positivo, esperava uma lufada de ar fresco em termos de terror ou suspense (apesar deste filme já ser de 1998...). Confesso que vi primeiro o remake americano e detestei. Mas sempre considerei a premissa intrigante e potencialmente assustadora (a tal cassete maldita, com imagens estranhas e perturbadoras, que amaldiçoa quem a vê), tanto que acreditava que a solução estaria na obra original, que seria esta uma verdadeira fita de terror. Nada mais errado! A história é boa e até capta a nossa atenção, mas falha em pontos fulcrais. A saber: 1) a atmosfera não envolve (nem assusta) e apresenta um tom desequilibrado; 2) terror nem vê-lo; 3) suspense só de tempos a tempos; 4) as interpretações não primam por uma grande qualidade e 5) apenas a banda sonora causa alguma inquietação. Sobra uma excelente ideia, sinceramente mal desenvolvida, uma boa fotografia e um ou outro momento mais inspirado.

Classificação: 2/5

Estreia esta semana...




Ratatouille - Ratatui, de Brad Bird

sábado, 11 de agosto de 2007

Próxima Paragem...

"A Insustentável Leveza Do Ser". Depois de ver o filme, abriu-se-me o apetite para a leitura desta obra de Milan Kundera. E que dizer do título do livro? Que conjugação tão bela de palavras...

Monster - Monstro (2003)

Centrando-se no percurso pessoal de Aileen Wuornos, Patty Jenkins assina uma curiosa primeira longa-metragem, que consagrou definitivamente o talento de Charlize Theron. Aileen, uma prostituta de estrada com um background tortuoso (abusou das drogas com tenra idade e foi mãe aos 13 anos), tornou-se a primeira mulher serial killer na história dos EUA, após um erro do destino a ter posto frente a frente com um cliente que a violou e torturou de forma sádica. Após essa tragédia, Aileen iniciou o seu trilho da morte, assassinando alguns dos seus clientes, roubando-lhes o dinheiro e escondendo os corpos nas matas. Na narrativa, ainda há espaço para avaliar a sua conturbada relação com a namorada Selby, muito bem interpretada por Christina Ricci. Por ser um primeiro trabalho atrás das câmaras, nota-se que a realização é extremamente discreta (mas segura) e o filme é visualmente muito escorreito, nunca querendo pender para o virtuosismo que observamos actualmente. Mas isso não é algo negativo; aliás, a melhor aposta que Patty Jenkins fez foi jogar pelo seguro, mover-se por aquilo que conhecia e dominava. "Monster" não cai nos choradinhos inconsequentes do costume, tem a habilidade de mexer com os sentimentos do espectador e consegue sempre afirmar uma postura de dignidade e de força dramática. Para isso, a contribuição de Charlize Theron é fundamental: ela não só não cria um "boneco", como na verdade veste literalmente a pele de Aileen e reveste-a com várias "camadas", tornando a sua composição rica em pormenores e profundidade. A actriz passou por um suplício, tendo de engordar 15 quilos, alterar a sua forma de andar e usar uma máscara de latex, por exemplo. Mas valeu a pena, pois transfigurou-se visualmente e interpretativamente, calando a boca de muitos críticos que ainda a censuravam por ser "uma modelo que se tornou actriz" e dando uma interpretação genuína e comovente. É depressivo e emocionalmente provocador, mas é muito bom!

Classificação: 4/5

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999)

Cenas De Um Casamento Atribulado

Hoje, depois de uma conversa sobre relações e casamentos falhados com o An Angel In Hell, chegou-se à conclusão que a última obra-prima de Stanley Kubrick impõe-se como um dos melhores retratos (senão o melhor) a essa instituição que é o casamento. A história deste casal da alta burguesia com inúmeras disfuncionalidades na sua relação é um brilhante exemplo daquilo que é observável "lá fora", na vida real. Tom Cruise interpreta Bill Harford, um excelente médico que ama a sua mulher Alice e a filha, considerando o seu seio familiar bastante estável. O grande erro de Bill é que acha que tem a sua esposa como garantida, vendo-a como uma boa mãe, mas descurando toda a sexualidade e desejos daquela mulher. Daí ele fechar os olhos logo ao início do filme, quando a vê nua, no quarto do casal. Mas aquela união só será posta em causa após uma confissão de Alice, relativamente às suas tentações fora do casamento. Depois desse episódio, o médico entra numa espécie de colapso e decide então enveredar por uma odisseia num submundo perigoso e extremamente sexual, encontrando-se com personalidades atípicas e sinistras. Tudo apenas para testar os seus limites e descobrir se conseguirá ser tão ousado como a sua mulher foi. Real, elegante e provocador, este filme não deixa ninguém indiferente, quer se ame ou odeie. O título é repleto de significado, se bem que cínico: "De Olhos Bem Fechados" para não se encarar a verdade, evitar aquilo que não se quer admitir, ver (sendo a famosa cena do espelho um bom exemplo disto). O facto de se contar com o par Cruise/Kidman (como é sabido, ainda estavam casados por esta altura) confere uma tónica de veracidade raramente vista no celulóide, tornando-se também uma perfeita oportunidade de ambos revelarem as suas enormes amplitudes dramáticas. A banda sonora é arrepiante e misteriosa, um marco que Kubrick nunca desvalorizou e que sempre integrou na perfeição em todos os seus projectos. O filme adapta de forma exemplar a obra de Arthur Schnitzler, "Traumnovelle" e constituiu um dos melhores sucessos comerciais na carreira do já falecido realizador. Soberbo!


Classificação: 5/5



quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Bug (2005)

Vidas De Insecto

Saúda-se o regresso do realizador William Friedkin ("O Exorcista", "Os Incorruptíveis Contra a Droga") à boa forma. É natural que este "Bug", um interessante thriller psicológico, passe algo despercebido aos olhares do público, já que a avalanche de blockbusters que invade as salas é enorme. Mas tal facto não impede que estejamos perante um óptimo filme, radicalmente diferente de tudo o que vimos nos últimos tempos. Partindo da peça teatral de Tracy Letts, que foi um sucesso off-Broadway, constrói-se um cenário perfeito para o estudo da paranóia, da persuasão, manipulação e alucinação. A premissa é directa e intrigante: Agnes é uma mulher com um passado tenebroso que leva uma vida solitária, angustiante e com bastante receio do ex-marido que acabou de sair da prisão, em liberdade condicional. Ela trabalha num bar e conhece Peter (um veterano da Guerra do Golfo) por intermédio de uma amiga, simpatizando logo com ele. Agnes acaba por receber Peter no seu modesto quarto de motel e a relação desenvolve-se. Peter tem uma personalidade calma e bastante peculiar, mas algo diz que a ameaça está latente. A situação destas duas pessoas entrará numa espiral de loucura e teorias da conspiração a partir do momento em que Peter jura que está infectado por "insectos", supostamente por culpa do governo americano. O isolamento torna-se a única opção e a auto-mutilação uma realidade. O cenário do filme é constituído inteiramente pelo quarto de motel (excepto uma cena no bar onde Agnes trabalha) e as personagens resumem-se a 5. Sente-se sempre a inspiração teatral (o que é bom), quanto mais não seja pela intensidade dramática e pelo claustrofóbico espaço de acção. Mas a verdade é que a caracterização das personagens é profunda, o argumento tem uma elevada qualidade e os diálogos estão muito bem elaborados. Acreditamos sempre nas acções e "demência" daquelas duas pessoas, nunca nos soando a falsidade ou precipitação de comportamentos, porque ambos são a personificação da instabilidade emocional. É ainda um prazer ver Ashley Judd regressar aos bons papéis, podendo reafirmar toda a sua versatilidade, enquanto Michael Shannon (que interpreta Peter) retoma o seu papel da famosa peça teatral.

Classificação: 4/5


Amanhã...

... na RTP1, perto das 00h40.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Lord Of The Flies - O Deus Das Moscas


Está na altura de terminar a leitura desta obra-prima de William Golding, que tive de interromper há uns tempos e que se foi perdendo nas minhas prioridades literárias. Desde sempre que a temática deste livro me fascina. Principalmente, desde um maravilhoso documentário no canal People+Arts, que se debruçava sobre a interpretação deste grande clássico da literatura. Traçavam-se aí comparações entre as personagens de Golding e os actuais elementos dos gangs de bairros degradados. Um dos entrevistados, se bem me lembro oriundo desse meio, admitiu que as diferentes personalidades e as dinâmicas de grupo descritas no livro encontram paralelo na realidade. Não vou esperar mais para concluir esta odisseia!

Little Children - Pecados Íntimos (2006)


A Inquietude Suburbana

Já não é propriamente original a temática dos subúrbios americanos e todo o típico way of life que lhe é inerente. Basta evocar títulos populares como American Beauty e Happiness para constatar o óbvio. Mas esta opção criativa não impede que um filme desta natureza seja fabuloso! É precisamente esse o caso de Little Children (péssima tradução para português, mais uma vez), um fiel exemplo da beleza que constitui a revisitação dos códigos do melodrama mais clássico.

Nos arredores de Boston, Sarah, casada e mãe de uma menina, envolve-se com Brad, também ele casado, pai de um rapaz e alvo das atenções de quase todas as "donas de casa desesperadas" do bairro. O marido de Sarah distancia-se cada vez mais da sua família, pois encontra-se fascinado por outras actividades extra-conjugais. No caso de Brad, tudo parece correr de feição: ele encontra estabilidade no seu seio familiar e recebe constantemente o conforto e apoio da sua esposa Kathy, uma bela mulher. Mas as leis da atracção pregam partidas naquela acolhedora comunidade, que une os corpos ardentes de desejo. Ainda para mais, a convulsão instala-se na existência pacata de todos os moradores do bairro, uma vez que chega um pedófilo que acaba de cumprir pena por exposição sexual perante um menor...

Neste belo filme assinado por Todd Field (o mesmo responsável pelo fabuloso In The Bedroom - Vidas Privadas) são as crianças que dão o mote para o desenrolar da narrativa e que providenciam os inúmeros encontros entre as personagens principais (seja nos belos parques ou na piscina municipal). A inocência dos petizes entra em confronto directo com alguns dos sentimentos menos puros dos seus pais (sendo estes as verdadeiras pequenas crianças, como o título indica), que usam os filhos para satisfazer os seus desejos mais íntimos. A fachada do socialmente correcto e das acções estandardizadas dentro de uma ordem pré-estabelecida estão nos antípodas daquilo que aqueles adultos realmente sentem e consideram mais satisfatório. Na verdade, os seus pensamentos e comportamentos encontram-se no reino da infantilidade, imaturidade e no prazer do imediato, os grandes temas do filme.

O que aquelas personagens ambicionam resume-se também a uma ruptura com a rotina, nem que seja por pouco tempo (Brad anseia por alguma adrenalina e perigo, tudo relacionado com a sua imberbe paixão pelo desporto; Sarah apenas quer sentir que é amada e vista como uma mulher desejável, apesar de ser mãe a tempo inteiro e amar a sua filha mais do que imagina) e ao desejo de arriscarem, de serem destemidos. A personagem do pedófilo recém-chegado está brutalmente bem caracterizada, principalmente quando a percepcionamos na assombrosa cena da piscina: enquanto as crianças brincam efusivamente, aquela presença circunda-as como se fosse invisível; quando se se apercebe de tal "predador", entra-se na histeria colectiva (pais e filhos), como se de um tubarão se tratasse.

A questão da voz off literária (decisão que nem sempre alcança o consenso do público), é um achado esplêndido, pois assemelha-se às vozes que narram os famosos documentário de vida animal. Neste Little Children, tal facto não se torna descabido de todo, pois basicamente o que se verifica é um conjunto de comportamentos animalescos e tendencialmente perigosos.

Destaque final para a qualidade galvanizante do argumento e para as interpretações, especialmente as de Kate Winslet e Jackie Earle Haley, justamente nomeados ao Óscar. Pena é que Jennifer Connelly, uma excelente actriz de composição, tenha tão pouco tempo de antena. Nem tudo pode ser perfeito... Enfim, um dos grandes filmes do ano!


Classificação: 5/5

sábado, 4 de agosto de 2007

The Village - A Vila (2004)

O Amor iluminará o caminho...

Sem dúvida uma das pérolas desta década! Depois de surpreender meio-mundo com o emblemático The Sixth Sense e de ter prosseguido na sua caminhada de obtenção de respeito crítico e comercial com The Signs e Unbreakable, M. Night Shyamalan voltou à acção para nos brindar com uma fabulosa parábola lírica sobre as profundezas do medo colectivo, a obsessão securitária dos dias de hoje e a (im)possibilidade de retorno a uma espécie de pureza original. Perante tamanha riqueza temática, o realizador encontra ainda uma brecha para lançar um discreto piscar de olho à Alegoria da Caverna, de Platão.

O filme gira em torno de uma pequena vila da Pensilvânia, em 1897. Nessa comunidade supostamente idílica (reminiscente dos Quakers e Amish), os indivíduos relacionam-se de forma cordial e pacífica, cumprindo à risca todas as regras ditadas pelos governantes. Mas nem tudo é perfeito: é sabido que na periferia residem monstros que, de tempos a tempos, atacam os habitantes e deixam marcas vermelhas assinaladas nas portas. Essas marcas são como que ameaças de morte, indicativas de que toda a precaução se torna fundamental. Para além das rígidas regras da vila (onde, por exemplo, se estabelece a proibição do uso da cor vermelha e da transgressão do espaço social definido), somos convidados a conhecer alguns dos seus residentes, como é o aso de Ivy (uma rapariga cega, filha de um dos líderes), o introvertido Lucius Hunt (o grande amor de Ivy) e o mentalmente desequilibrado Noah Percy. Quando Lucius ousa desafiar as convenções sociais para descobrir o que existe para lá da vila, o futuro de toda aquela gente poderá estar ameaçado...

Se esta não é a melhor crítica à era da administração Bush, à mentalidade americana contemporânea (ávida de um isolamento auto-imposto e da mais completa alienação) e à cultura do medo do "outro", então estamos lá perto! Shyamalan constrói uma narrativa fascinante, utópica e subtil sobre a paranóia (e as múltiplas feridas) do pós-11 de Setembro e a errática política externa dos EUA. Todo o filme é uma metáfora que espelha com exactidão a realidade presente nas terras do Tio Sam. Vejamos: naquela vila, a inocência anda de mãos dadas com a ignorância; todas as leis são acatadas pelos habitantes sem que estes tenham grande hipótese de resposta; quem contraria as imposições e o pensamento generalizado torna-se automaticamente um perigo que deve ser controlado; enfim, o que importa, única e exclusivamente, é aquela área delimitada e os seus ocupantes.

Contando com interpretações maravilhosas (excelentes Bryce Dallas Howard, Sigourney Weaver, Joaquin Phoenix e Adrien Brody), uma banda sonora envolvente e uma fotografia linda e singela, The Village acaba por ser não o filme de terror ou de suspense que todos pensávamos que seria, mas sim um genuíno drama romântico (onde o romance é ingénuo e desesperado, mas completamente arrebatador). O filme foi mal recebido nos EUA (porque será?), mas a Europa fez-lhe justiça, acolhendo-o e interpretando-o como deve ser. De facto, The Village dá muito que pensar, motiva algumas conversas bem interessantes e é, na minha opinião, o melhor filme do realizador indiano até à data!



Classificação: 5/5

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Top Indiana Jones

Agora que o 4º Indiana Jones já está em fase de produção, deixo aqui as minhas preferências relativamente a esta saga:

1) Indiana Jones e o Templo Perdido (1984)

2) Os Salteadores da Arca Perdida (1981)

3) Indiana Jones e a Grande Cruzada

A Homenagem...

Amanhã, a RTP2 presta um tributo aos dois excelentes realizadores recentemente falecidos: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Assim sendo, a sessão dupla será constituída pelo "Saraband" (de Bergman) e "Blow Up" (Antonioni). Dois excelentes filmes que retratam o imenso talento destes autores...

Saraband - 22h40
Blow Up - 00h25

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

É o vale tudo!

A estação britânica ITV ludibriou mais uma vez os espectadores ao publicitar um documentário em que se veria os últimos segundos de vida do músico e compositor Malcolm Pointon, que sofria de Alzheimer. A estação de televisão já assumiu a mentira, mas toda esta tramóia só foi desmascarada quando o irmão do paciente se manifestou. Este afirmou que a equipa responsável pela produção do documentário apenas captou o momento em que Malcolm ficou inconsciente (três dias antes da sua morte) e não a sua real morte. Este projecto começou a ser filmado há 11 anos, desde que o doente teve conhecimento do seu problema de saúde... Já se sabe que as estações televisivas fazem tudo pelas audiências, mas este "tudo" é deveras chocante! Tem de haver limites para tais comportamentos!

Closer - Perto Demais (2004)

Hello stranger!

Ela caminha na rua e olha para ele. Mal sabe ela o jogo em que está a entrar. Um acidente intervém e eles conhecem-se! A partir daqui somos convidados a observar a vida de quatro pessoas que tentam desesperadamente encontrar o amor. São eles Anna, Alice, Dan e Larry. Dan e Alice formam um casal. Anna e Larry, outro. Mas a instabilidade amorosa é uma das características destas personagens, que não conseguem decidir muito bem o que querem, ou quem querem, para as suas próprias vidas. Ocorre a inevitável troca de parceiros e desenrolam-se inúmeras manipulações e jogos de traições. É por isso que, mais do que o amor, o que está em causa é o poder, o controlo de si mesmo e dos outros!

E nisto, Larry (Clive Owen) é o melhor, um manipulador nato e perito em jogadas arriscadas. É médico de profissão, mas tal cargo de prestígio não evita que ele seja moralmente corrupto e, assim sendo, o mais "sujo" de todos. No pólo oposto encontramos Alice (Natalie Portman), uma stripper cuja profissão é imediatamente associada ao deboche, mas que no entanto é a única personagem que conserva alguns valores morais e que bem tenta manter forte as bases da sua relação. O seu companheiro é o frágil Dan (Jude Law), um escritor de obituários, que não consegue enfrentar as complicações do coração e que é assim o mais fraco e manipulável dos quatro (repare-se que as únicas vezes em que ele se apercebe totalmente do que se está a passar é quando se vê reflectido nos espelhos, seja na casa de banho ou no elevador). Por fim, Anna (Julia Roberts), esposa de Larry e objecto de afeição por parte de Dan, é uma talentosa fotógrafa que se apresenta como sendo uma mulher independente e segura da sua personalidade e convicções, mas na realidade não é mais que um joguete nas mãos dos homens, acabando no fim por revelar o seu handicap: a submissão (face a Larry, quer na cena do restaurante, quer no final do filme, ao tapar o marido na cama).

Depois do caos, Alice caminha novamente na rua, mais madura e confiante na sua verdadeira identidade, conseguindo assim sair do perigoso "jogo"... Não, de facto o amor não morou aqui! Estamos perante aquele que é um perfeito filme sobre as relações adultas, radicalmente diferente dos outros modelos românticos propagados por Hollywood. Embora aqui os adultos se comportem muitas vezes como crianças, a verdade é que não se está muito longe da realidade. O filme não esconde a sua célebre origem teatral (da responsabilidade de Patrick Marber, que assina aqui o argumento) e ainda bem que assim é, pois os diálogos ganham uma dimensão (leia-se brutalidade) inesquecível. As interpretações deste quarteto de actores iluminados são perfeitas e cada um consegue descolar-se da sua vincada 'imagem de marca'. Mike Nichols (autor do emblemático The Graduate), soube gerir bem o rumo desta história de encontros, envolvimentos e traições, apostando numa realização serena e repleta de planos verdadeiramente belos que não hesitam em captar a intimidade das suas personagens. Uma nota final para a linda mas perturbadora canção de Damien Rice, The Blower's Daughter, que inicia e finaliza este Closer. Uma obra-prima contemporânea!


Classificação: 5/5