quinta-feira, 17 de abril de 2008

American Psycho (2000)

O Exterminador Implacável

Anos 80. Essa década marcada pela gestão de Reagan será para sempre recordada como o zénite do excesso, o cume do consumo desenfreado. Nesse período da moral corrompida movimentavam-se predadores como Patrick Bateman, a figura nuclear do livro de Bret Easton Ellis. A realizadora Mary Harron soube ver o potencial desse marco literário e decidiu pegar na controversa obra de culto, adaptando-a para o cinema no ano 2000. O resultado? Muito bom, embora em Portugal a coisa não tenha sido lá muito estimulante: o filme chegou bastante atrasado às salas e a recepção por parte do público marcou-se, mais ou menos, pela indiferença.

American Psycho é um thriller carregado de sarcasmo e humor negro, que se passeia pelo cosmos da alta sociedade nova-iorquina. É lá que encontramos Bateman, um bem sucedido yuppie de Wall Street, dono de uma vida aparentemente glamourosa. Nada é deixado ao acaso na existência do senhor: a casa é luxuosa, os fatos são da mais pura alta-costura, o acesso a restaurantes da moda é fundamental e o tratamento excessivo do corpo uma necessidade básica. Solitário e narcisista, Bateman entra em disputa com os seus colegas de trabalho para averiguar qual deles possui... o mais requintado cartão de contacto! Entre a sua namorada loura e oca (que desconhece o verdadeiro "eu" do seu mais que tudo) e a sua amante viciada em drogas, o jovem dedica-se a um "desporto" repleto de rituais muito atípicos: mata prostitutas de rua, desalojados e companheiros de profissão que não suporta. Tudo com o maior dos preparos e enquanto disserta sobre os artistas e hits do momento que mais aprecia...

O filme é uma provocação de uma ponta à outra. É uma sátira elegante, inteligente e misógina até ao tutano sobre a convulsão interna de uma classe social alienada e hedonista onde a moral e a ética constituem conceitos vagos. Para além da excelente revisitação dos comportamentos superficiais e paisagens da época, Mary Harron propõe um brutal estudo da crueza inerente à sua personagem principal, o serial killer que apresenta a sua metodologia tirana como algo natural dado o contexto em que habita. De facto, a psique distorcida e as acções sádicas de Patrick Bateman mais parecem um prolongamento empolado daquilo que se passa na arena social e profissional onde ele se tenta impor constantemente.

Tenho pena de confessar isto, mas a performance de Christian Bale é que já não me convenceu por aí além. Se é verdade que há momentos em que o actor atinge a excelência dramática, também é certo que existem tantos outros onde a sua interpretação se torna algo "postiça". Não nego que o filme puxa por esse lado over the top, mas isso não significa que o actor tenha de entrar a maior parte do tempo nos portais do excesso (mesmo que se compreenda que queira estar em consonância com o espírito da narrativa). Ainda assim, não é este factor que diminui a qualidade geral da obra.

Saúdo sim é o fabuloso final, uma espécie de anti-climax que desvenda o desnorteamento a todos os níveis do tresloucado empresário. Pode não agradar a todos (há quem o ache patético), mas continuo a considerar que essa conclusão condimenta na perfeição um filme que, não sendo brilhante, constitui um irrecusável objecto de cinema.


Classificação: 4/5

12 comentários:

Red Dust disse...

O moço não era propriamente um empresário, mas sim um trader. Mas isso é só um pormenor, não influi no filme, claro, e na sua propensão para a degeneração e as suas tendências fetichistas...

Ah... e por lá também andam Willem Dafoe e Reese Witherspoon.

A minha classificação: 7/10.

Abraço.

Loot disse...

é verdade que o filme tenha passado um bocado ao lado do público português na altura, mas depois foi descoberto por muitos (eu incluído) em dvd e desde aí tem-se gerado um culto à volta desta obra.

Gosto sempre de te ler, mesmo quando discordo, neste caso estou mais uma vez em completo acordo contigo e o final é o melhor do filme para mim.
A mim o Christian Bale é que não me incomodou nada eu gostei da sua prestação que penso que vai ao encontro do que o filme pretende.

As cenas em que ele disserta sobre música enquanto se prepara para matar são hilariantes. E já agora Bateman, o Peter Gabriel é que foi a melhor fase dos genesis :P

Abraço

Blueminerva disse...

Caro Cataclismo,
Eu acho que o filme assenta muita na belíssima prestação do Bale. Houve alturas que me fez rir (a cena dele na cama com as gajas e a mirar-se ao espelho é hilariante) e houve alturas que me fez arregalar os olhos (a raiva reprimida na cena do cartão de contacto).
É um bom filme e como dizes e bem, com um fabuloso final e completamente inesperado.
Um abraço

Isabela disse...

O que eu mais gosto no filme, ja é exatamente a performace do Christian Bale. Acho toda a caracterização do Patrick Bateman brilhante! Tais excessos, loucuras e devaneios são o brilho de um personagem totalmente louco e psicótico. Porém, não totalmente frio, cheio de "bizarrices" e exageiros.

Anônimo disse...

Brilhante, é um filme brilhante. O livro é melhor... mas é brilhante!

CP disse...

Concordo plenamente com a tua crítica. Acho este filme simplesmente soberbo e que faz jus ao livro.

Unknown disse...

Boas,

Vi esta fita recentemente e confesso que não consegui escrever uma crítica sobre ele. Por um lado é genial, por outro é extremamente "estranho" (se se o pode afirmar...). A verdade é que além do humor extremamente negro é uma incrível sátira à sociedade americana assim como uma massiva crítica à mesma. Ainda há que mencionar a incrível banda sonora (simplesmente fabulosa) e para mim a fantástica interpretação de Christian Bale (discordando do que tu afirmas). Além de versátil, consegue espalhar talento pelos ecrâs. De qualquer forma é, sem qualquer dúvida, um filme a ver.

Abraço

Unknown disse...

Boas,

Vi esta fita recentemente e confesso que não consegui escrever uma crítica sobre ele. Por um lado é genial, por outro é extremamente "estranho" (se se o pode afirmar...). A verdade é que além do humor extremamente negro é uma incrível sátira à sociedade americana assim como uma massiva crítica à mesma. Ainda há que mencionar a incrível banda sonora (simplesmente fabulosa) e para mim a fantástica interpretação de Christian Bale (discordando do que tu afirmas). Além de versátil, consegue espalhar talento pelos ecrâs. De qualquer forma é, sem qualquer dúvida, um filme a ver.

Abraço

Hugo disse...

Este filme mostra de uma forma exagerada e violenta o mundo egocêntrico em que vivemos...no fundo é um crítica contundente ao capitalismo selvagem e o culto pelo poder e sucesso.
Aqui no Brasil o filme tb passou voando pelos cinemas e foi direto para as locadoras, com isso pouco gente assistiu.

Abraço.

Pedro Pereira 77 disse...

Já vi este filme há algum tempo, mas tenho que dizer que apesar de gostar muito das interpretações de Christian Bale (inclusive neste filme), este American Psycho acabou por ser uma completa desilusão para mim...

Cataclismo Cerebral disse...

Red Dust: E que bem que Dafoe e Whiterspoon estão, não é? Principalmente ela, naquela versão de loura burra na periferia da loucura do namorado.

Loot: Também só o descobri depois de ter saído das salas. O final é excelente, mas achei que Bale (que é um actor que muito estimo) não esteve ao seu melhor nível. Ah, concordo com a tua afirmação relativamente ao Peter Gabriel ;)

Blueminerva: O filme tem tanta coisa genial lá dentro que dá pano para mangas. A crítica social ao consumismo dos 80's que criou predadores é um mimo. O filme é uma metáfora belíssima...

Isabela: Queria ter gostado mais da interpretação de Bale, mas não aconteceu. Ainda assim, tal como destaquei no meu texto, ele teve momentos brilhantes.

Ricardo: O livro ainda não li, mas já ouvi dizer que consegue ser mais brutal.

Cp: É uma pérola de filme que merece ser redescoberta urgentemente!

Fifeco: Atenção que eu sou fã de Bale. Só não gostei foi desta interpretação. Ele tem talento a rodos. Para ser completamente apreciado, o filme tem de ser visto várias vezes (tem muito subtexto interessante para ser decifrado).

Hugo: O filme é uma metáfora surpreendente sobre diversos conceitos (sociedade, capitalismo, egocentrismo) que criam... um assassino!

Halloween77: Nunca se consegue agradar a todos :S A própria bizarria do filme leva ao afastamento de muito boa gente.

Abraços!

quETzalcoatl disse...

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